A utilização do aquecimento antes de treinamento e partidas de futebol é uma prática comum, em vista disso, é realizada quase que instantaneamente e, em muitos casos, de forma empírica e sem embasamento científico. O conhecimento das características do esporte e da fisiologia humana é de fundamental importância para a programação correta dos exercícios e duração dessa atividade.
Procurou-se nesse artigo, elucidar a importância do aquecimento para a realização de uma atividade física e demonstrar as suas características para o futebol.
CONCEITOS
“Sob aquecimento entende-se todas as medidas, que antes de uma carga esportiva – seja para treinamento ou competição -, servem para a preparação de um estado psicofísico e coordenativo-cinestésico ideal, assim como para a profilaxia de lesões” (WEINECK, 1991, p. 434).
A capacidade de realizar atividades por um período prolongado depende da ativação de três sistemas: sistema cardiopulmonar; sistema circulatório e sistema neuromuscular (BOSCO, 1994). “Ao alcançar a temperatura ideal, todas as reações fisiológicas decisivas para a capacidade de desempenho motor transcorrem com o grau de eficiência mais favorável” (ISRAEL citado por WEINECK, 1991, p. 435).
Para a eficácia do treinamento é necessária a realização de aquecimento sempre antes do mesmo. Não se deve confundir aquecimento com alongamento. O aquecimento prepara gradualmente o atleta para a competição, inclusive utilizando exercícios de alongamento (SCHMID; ALEJO, 2002).
TIPOS
O aquecimento divide-se em passivo, ativo, mental e instintivo.
– Aquecimento Passivo – é uma atividade na qual o atleta praticamente não realiza movimento algum. Exemplo: sauna, duchas quentes, massagens, fornos etc (WEINECK, 1991; BATISTA, 2003; CHIESA, 2003). Deve ser utilizado como complemento do ativo (WEINECK, 1991).
– Aquecimento Ativo – divide-se em geral e específico (WEINECK, 1991; McARDLE; KATCH; KATCH, 1992; BATISTA, 2003; CHIESA, 2003).
– Geral – desenvolver as funções mais importantes do organismo mediante a estimulação dos principais grupos musculares, aumentando a temperatura corporal e temperatura muscular. Os exercícios gerais devem preceder os específicos.
– Específico ou Especial – é a continuação do geral, mas capacitando os grupos musculares que irão atuar no treinamento ou jogo de forma específica.
– Aquecimento Mental – imitação dos gestos que serão utilizados no treino ou jogo. Esta reprodução ativa involuntariamente o sistema nervoso e o coloca em prontidão para realização da atividade (WEINECK, 1991; CHIESA, 2003). Segundo ROLOFF, citado por WEINECK (1991) o aquecimento mental só pode ser utilizado em sequências muito fáceis ou totalmente automatizadas.
– Aquecimento Instintivo – acionado por estímulos dos centros nervosos cerebrais que produzem aumentos da frequência cardíaca e respiratória, provocando aumento metabólico e elevando a temperatura corporal (CHIESA, 2003).
EFEITOS/BENEFÍCIOS
O aquecimento bem realizado pode ocasionar uma série de benefícios:
– Aumento da espessura cartilaginosa reduzindo o impacto sobre as superfícies articulares (BATISTA, 2003; CHIESA, 2003).
– Maior velocidade na contração e relaxamento muscular (WEINECK, 1991; McARDLE; KATCH; KATCH, 1992; SCHMID; ALEJO, 2002; BATISTA, 2003; CHIESA, 2003).
– Menor elevação na pressão arterial e menor elevação brusca da frequência cardíaca (CHIESA, 2003).
– Melhoria da coordenação motora facilitando a realização de movimentos explosivos e de habilidade exigidos durante uma partida de futebol (POMBO; MORAIS, 1997a; SCHMID; ALEJO, 2002; BATISTA, 2003).
– Melhoria da oxigenação muscular pela facilitação da liberação de oxigênio pela hemoglobina ocasionada pelo aumento da temperatura corporal (McARDLE; KATCH; KATCH, 1992; SCHMID; ALEJO, 2002; BATISTA, 2003; CHIESA, 2003).
– Aumento da motivação (POMBO; MORAIS, 1997a; CHIESA, 2003).
– Menor incidência de lesões (WEINECK, 1991; BOSCO, 1994; POMBO; MORAIS, 1997a; SCHMID; ALEJO, 2002; CHIESA, 2003).
– Maior deficiência mecânica em virtude da menor resistência viscosa dentro dos músculos (McARDLE; KATCH; KATCH, 1992).
– Facilitação da transmissão nervosa e do metabolismo muscular nas temperaturas mais altas; um aquecimento específico também pode facilitar o recrutamento das unidades motoras necessárias numa atividade máxima subsequente (McARDLE; KATCH; KATCH, 1992; BATISTA, 2003).
– Maior fluxo sanguíneo por meio dos tecidos ativos à medida que ocorre vasodilatação com temperaturas mais altas (McARDLE; KATCH; KATCH, 1992; BATISTA, 2003).
– Estimula gradualmente processos psicofísicos até alcançar níveis muito altos de ativação neuromuscular e neuro psíquica (BOSCO, 1994).
FATORES QUE INFLUENCIAM O AQUECIMENTO
Uma série de fatores pode alterar a forma, a duração e a intensidade do aquecimento. Estes fatores são divididos em: endógenos e exógenos (WEINECK, 1991; POMBO; MORAIS, 1997a; BATISTA, 2003).
Endógenos:
– Idade – quanto mais idade tiver uma pessoa, maior será a preocupação com o aquecimento. Deverá ser mais longo e gradual.
– Condição de Treinamento – um aquecimento muito intenso poderá cansar um atleta com pouco condicionamento físico.
– Estado Psicológico – o estado psicológico do atleta no momento da atividade poderá influenciar positiva ou negativamente no resultado do aquecimento.
Exógenos:
– Hora do dia – com o sono há um desligamento ou amortecimento de diversas funções corporais. Com o passar das horas aumenta a circulação e a temperatura corporal. Portanto, o aquecimento realizado durante a manhã deve ser mais lento e gradual.
Melhor horário seria entre 5 e 6 horas da tarde, ocorre um rápido aquecimento.
– Modalidade Esportiva – observar as características de cada modalidade para executar exercícios específicos.
– Temperatura Ambiente – quanto maior for a temperatura ambiente, menor deverá ser o tempo de aquecimento. Em ambientes chuvosos e frios, a duração do aquecimento deverá ser mais prolongada.
FORMAS E DURAÇÃO
Ao programar e executar um aquecimento deve-se observar os conceitos descritos até o momento. Agora a questão é saber como executar os movimentos e em que ordem eles devem ocorrer?
Para SCHMID e ALEJO (2002); LATORRE e BARELLA (2003), deve-se iniciar com movimentos simples e lentos, aumentando gradativamente a intensidade, complexidade e velocidade até alcançar movimentos semelhantes ao jogo. Deve ser gradual o suficiente para aumentar a temperatura muscular e central (McARDLE; KATCH; KATCH, 1992).
SCHMID e ALEJO (2002); LATORRE e BARELLA (2003) colocam que o primeiro passo no aquecimento são os exercícios de alongamento e depois se realizam movimentos balísticos.
Principalmente para atletas que treinam todos os dias, é necessário haver uma constante variação das formas de aquecimento, inclusive utilizando exercícios recreativos, isso é um componente motivacional para o treinamento, (LATORRE; BARELLA, 2003).
A duração mínima de uma atividade de aquecimento deve ser de 10 minutos (LATORRE; BARELLA, 2003), mas o que irá determinar realmente o tempo de duração são os fatores endógenos e exógenos descritos anteriormente.
Entre o fim do aquecimento e o início da atividade, o descanso deve ser de 5-10 minutos, apesar do efeito durar de 20-30 minutos (ISRAEL, citado por WEINECK, 1991; POMBO; MORAIS, 1997b).
POMBO e MORAIS (1997b) relataram um estudo no qual indivíduos aqueciam-se por 8 minutos em corrida contínua a 70% do VO2 máx. Foram utilizados vários protocolos (1o – descanso de 5 minutos; 2o – descanso de 10 minutos; 3o – descanso de 15 minutos; 4o – descanso de 20 minutos). Constatou-se que os indivíduos que descansavam mais de 10 minutos, demoravam mais para alcançar o VO2 máx. e o mantinham por menos tempo.
POMBO e MORAIS (1997b) ressaltam a importância do cuidado com o tempo de duração do aquecimento para não gastar as reservas energéticas e cansar o atleta.
CARACTERÍSTICAS PARA O FUTEBOL
É necessário observar os objetivos da sessão de treinamento. O aquecimento deverá ser diferente para um treinamento do que para o jogo (LATORRE; BARELLA, 2003).
Os atletas jovens, aproximadamente 12 anos, devem realizar um aquecimento com intensidade menor que os adultos, devido ao gasto calórico menor, maior temperatura muscular e evolução limitada dos sistemas biológicos (LATORRE; BARELLA, 2003).
Para jogadores de futebol é importante aquecer e preparar as articulações do tornozelo, joelho e coxo-femural (CHIESA, 2003).
Os exercícios devem compreender: tiros de no máximo 30 metros; movimentos de frente, costas, laterais e angulares; movimentos combinados da parte superior e inferior; trocas de direção e, saltos com uma e duas pernas (SCHMID; ALEJO, 2002).
A primeira parte do aquecimento não deve ter uma exigência anaeróbica, devendo a frequência cardíaca ficar entre 130 e 160 bpm (POMBO; MORAIS, 1997b).
O autor, por meio de sua experiência prática e teórica coloca uma sequência de movimentos que devem ser executados no aquecimento antes de uma partida de futebol:
- Movimentos balísticos de baixa intensidade e velocidade, como deslocamentos de frente, laterais, costas etc. (3-5 minutos).
- Exercícios de alongamento, ênfase nos grupos musculares dos membros inferiores (panturrilha, parte anterior e posterior da coxa, adutores, abdutores etc). É importante não esquecer os membros superiores e, principalmente os músculos do pescoço, esses muito exigidos durante uma partida (3-5 minutos).
- Exercícios técnicos realizados em duplas. Como: passe, cabeceio, condução etc. Nessa etapa, aumentar a velocidade e intensidade dos movimentos (5-6 minutos).
- Exercícios de deslocamentos e passes longos em grande espaço ou minijogos, simulando ações do jogo (3-5 minutos).
- Novamente exercícios de alongamento, só que nessa etapa os atletas escolherão individualmente os grupos musculares que necessitam um novo estiramento. O preparador físico pode utilizar esse momento para motivar os atletas (2 minutos).
CONCLUSÕES
A exigência física durante um treino ou jogo é muito grande. Os atletas devem estar aptos há realizar diversos movimentos na maior amplitude e intensidade possível. Portanto, pode-se constatar a importância fundamental do aquecimento antes da prática do futebol.
Infelizmente muitas atividades de aquecimento estão baseadas no empirismo, ou seja, na tentativa erro/acerto e não em estudos científicos (POMBO; MORAIS, 1997a). O preparador físico deve estar atento as características físicas e fisiológicas da modalidade, para definir a intensidade, a duração e os tipos de exercícios a serem executados durante o aquecimento, evitando esse empirismo preconizados pelos autores acima.
Os membros da comissão técnica ou o professor devem estar atentos com a hidratação do atleta antes e após o aquecimento. Atividades em ambientes muito quentes e úmidos podem provocar desidratação muito rápida.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BATISTA, D. A importância do aquecimento na atividade física. Disponível em: <http://www.e-muitomais.com/web_pages/edfisica/artigo15otemas.html>. Acesso em: 8 out. 2003.
BOMPA, T. O. Treinamento Total para Jovens Campeões. Barueri: Manole, 2002. Cap. 3, p. 37-49.
BOSCO, C. Aspectos Fisiológicos de la Preparación Física del Futbolista. Barcelona: Paidotribo, 1994. Cap. 16, p. 177-188.
CHIESA, L. C. Aquecimento e atividade física. Disponível em: <http://www.e-muitomais.com/web_pages/edfisica/artigo16otemas.html>. Acesso em: 8 out. 2003.
LATORRE, D. L. S.; BARELLA, A. D. Fundamentos básicos del calentamiento en el fútbol base I – Objetivos y princípios. Disponível em: <http://www.efdeportes.com>. Revista Digital. Buenos Aires, año 9, n.63, ago. 2003. Acesso em: 7 out. 2003.
McARDLE, W. D.; KATCH, F. I.; KATCH, V. L. Fisiologia do Exercício – Energia, Nutrição e Desempenho Humano. Tradução Giuseppe Taranto. 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1992.
POMBO, M. F.; MORAIS, F. S. P. Bases teórico-practicas del calentamiento de competición en fútbol. Disponível em: <http://www.efdeportes.com/efd5/mfp51.htm>. Buenos Aires, año 2, n. 5, jun. 1997a.
______. Modelo aplicativo del calentamiento de competición en el fútbol. Disponível em: <http://www.efdeportes.com/efd7/mfp7.htm>. Buenos Aires, año 2, n. 7, out. 1997b.
SCHMID, S.; ALEJO, B. Complete Condiotining for Soccer. Champaign: Human Kinetics, 2002. Cap. 2, p. 19-53.
WEINECK, J. Biologia do esporte. Tradução Anita Viviani. São Paulo: Manole, 1991. p. 434-441.
Por Fabio Cunha*
* Técnico de Futebol; mestre em Ciências do Movimento (UnG); pós-graduado em Metodologia da Aprendizagem e Treinamento do Futebol (UGF); pós-graduado em Psicologia Esportiva (UCB); pós-graduado em Treinamento, Técnicas e Táticas Esportivas (Fac. Pitágoras) e Bacharel em Esporte com Habilitação em Treinamento em Futebol (USP). Autor dos livros: Torcidas no futebol: espetáculo ou vandalismo? e Técnico de futebol: a arte de comandar. Palestrante em cursos, seminários e congressos em todo o Brasil.