Vivemos ainda numa sociedade absolutamente preconceituosa quando o assunto é esporte e/ou psicologia. Vários atletas relatam – em sessão, que recebem pouco apoio e consideração dos pais pelo fato de dedicar a vida ao esporte ou tentar o sucesso profissional no mundo esportivo. Aquela frase quase fulminante no final do dia: “ora, filho, por que você está tão cansado – já que não estuda nem trabalha?”. Além de extremamente desmotivadora e preconceituosa, essa ideia de atleta está absolutamente ultrapassada – embora alguns pais insistam em desvalorizar a opção dos filhos.
De modo análogo está a Psicologia. Não me canso de escutar pacientes em consultório comentando: “João, quando comento que faço terapia, todo mundo fica preocupado comigo. Perguntam se estou doido(a) ou se estou deprimido(a) – ou até mesmo louco(a).” É incrível a dificuldade de considerar os trabalhos preventivos na área da saúde mental nesse país.
Esporte e Psicologia – além, claro, da Psicologia do Esporte são áreas
amplamente reconhecidas e valorizadas em diversos países. Por aqui, a falta de conhecimento e interesse – além da ausência de uma construção adequada de atleta e ser humano catalisam a banalização social diante das escolhas de jovens atletas pela carreira esportiva.
A identidade do atleta, do aluno de educação física – e também do psicólogo traz, em si, elementos pejorativos e de pouco (raro) valor. Entender o estudo científico da mente humana como acesso direto a loucura e dirigir o olhar com preconceito aos atletas em formação produz hiatos perigosos no campo da saúde. Além de afastar os jovens da prática esportiva – com todos os benefícios gerados por ela – estimula a cisão entre mente e corpo – originalmente concebida nos tempos cartesianos no auge da dicotomia associada a visão de ser humano da época.
Como psicólogo do esporte, acompanho com apreensão essa subtração de valores através da escolha do esporte como profissão por muitos jovens que buscam a concretização de seus sonhos. A sociedade, de alguma forma, fortalece essa relação entre ócio, desvalorização e trabalho físico. Por outro lado, o mundo mental sofre com as falsas ideias e demandas sobre a dinâmica psicológica e emocional do ser humano.
É preciso bom senso, apoio, respeito e informação dos pais e responsáveis – além de amigos e parentes – para entender que o esporte é uma profissão importante, difícil e desejada por muitos jovens. Além das dificuldades naturais de êxito nessa área, espera-se um pouco mais de apoio e estimulo positivo por parte do universo sociocultural e familiar diante da opção desses garotos. Ter o esporte como ofício de vida é tão importante como qualquer outra área profissional. Por que é tão difícil entender essa mensagem? Simples. As raízes inconscientes do sucesso ainda habitam as profissões tradicionais. Os caminhos percorridos fora dessas raízes costumam ser sumariamente atacados pelo preconceito comum – cada vez mais comum.
A Psicologia do Esporte exige, cada vez mais, que o atleta seja concebido e trabalhado – antes de tudo, como um ser humano. Do contrário, as relações institucionais continuarão gerando graves patologias no campo e nas quadras dos desejos e sonhos dos nossos jovens.
Machado de Assis já dizia: “o mercado dos desejos expõe seus mais tristes tesouros”. E ele estava certo, como sempre!
Por João Ricardo Cozac*
*Psicólogo do esporte. Presidente da Associação Paulista da Psicologia do Esporte. Há 22 anos atende atletas de diversas modalidades em clínica. Autor dos livros “Psicologia do Esporte: atleta e ser humano em ação” (editora Roca) – “Psicologia do Esporte: clínica, alta performance e atividade física” (editora Annablume) e “Com a cabeça na ponta da chuteira” (editora Annablume). Professor responsável pelo curso de formação em Psicologia do Esporte – São Paulo, para alunos e profissionais de Psicologia e Educação Física.