ENTREVISTA PAULO RIBEIRO – PSICÓLOGO DO ESPORTE

Nessa entrevista falamos com Paulo Ribeiro*, psicólogo do Botafogo Futebol e Regatas, sobre essa função tão fundamental no futebol moderno.

Paulo Ribeiro

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O que acha do mercado da psicologia esportiva no Brasil? Estamos muito longe do mercado europeu e americano?

O mercado da psicologia esportiva no Brasil está numa crescente, mas ainda de forma bem lenta. É uma coisa complicada, porque estamos longe do mercado europeu e americano, que já tratam a psicologia do esporte como uma prioridade, enquanto ainda no Brasil não se trata a psicologia do esporte como prioridade. Apesar disso, já temos avanços bem significativos.

Estou a 34 anos nesse mercado, comecei em 1986 no Vasco da Gama, quando ainda ninguém pensava na psicologia do esporte. Vejo hoje várias equipes com esse tipo de trabalho, posso dizer que houve um aumento importante, embora nas equipes principais sejam poucos os clubes com o trabalho efetivo, já nas categorias de base a grande maioria já possui psicólogo. Acredito que já seja uma vitória nossa essa evolução. Como tudo no Brasil é tão lento, as pessoas vão absorvendo a importância desse segmento do treinamento esportivo de uma forma mais vagarosa.

Quais as grandes dificuldades que você vê na área e o que fazer para mudar esse quadro?

A primeira grande dificuldade é a aceitação por parte dos treinadores, porque as pessoas ligam a questão do psicólogo com ganhar jogo. A função do psicólogo no esporte não é para isso, na verdade o trabalho do psicólogo é tratar da saúde mental do atleta para que ele esteja em condições de competir, para que ele esteja em condições de enfrentar os grandes desafios que essa carreira do alto rendimento exige dele. Os desafios são de toda ordem, as pressões são grandes. Quanto mais você tem o atleta estimulado, do ponto de vista mental, mais preparado estará para executar as funções que o treinador necessita.

O segundo grande entrave é com relação aos atletas perceberem que o trabalho do psicólogo não é coisa para maluco, ainda existe um preconceito grande na cabeça das pessoas de que o psicólogo irá tratar alguma doença, quando na verdade queremos mexer nas valências que são relacionadas ao trabalho físico, técnico e tático, ou seja, tudo que ele precisa ter, em termos psicológicos, para que ele consiga desempenhar melhor essas funções que mencionei, essas variáveis.

No futebol ainda existe um preconceito com a profissão de psicólogo, sendo esta tratada como uma função dispensável. O que fazer para mudar esse quadro?

É a conscientização do treinador de que no tripé que está apoiado o treinamento esportivo, físico, técnico/tático e psicológico, não existe condição de separar a mente do corpo. No momento que o treinador ou a agremiação consegue entender que o atleta quando vai jogar, não deixa o seu “Eu” em casa, que não separa o atleta da pessoa, poderá entender que é possível fazer com que o atleta, no momento do jogo, esteja com sua concentração diferenciada, com sua atenção diferenciada, com seus níveis de ansiedade e estresse controlados. Mas para mudar esse quadro é primeiro crer nisso.

Até que ponto o psicólogo pode interferir na escalação de um atleta?

Só se fosse uma coisa muito grave que está acontecendo com o atleta, para que o psicólogo possa chegar no treinador e relatar o problema que o atleta passa e, sugerir, que ele poderia não ser escalado por isso. Mas essa decisão deveria ser de comum acordo com o atleta, pois ele deveria saber disso e, se seria necessário poupá-lo de um problema maior. Essa conversa com o treinador, então se faria necessária, porém a decisão final deveria ter anuência do atleta sempre.

Como lidar com os diferentes perfis de liderança dos treinadores? Existe algum perfil mais fácil e mais difícil de trabalhar?

Existe sim perfis mais fáceis de trabalhar, e esses são aqueles que têm uma visão sistêmica do treinamento esportivo, que é o treinador perceber que o atleta é multifatorial. O que acontece com o atleta pode vir de várias ordens, de vários seguimentos da vida dele. Então, quando um treinador consegue ter essa visão sistêmica, com certeza fica muito mais fácil trabalhar. Já o treinador autocrático, que sabe tudo, que decide tudo, não ouve ninguém, fica difícil não só para o psicólogo, mas para os outros membros da comissão técnica também.

Qual a formação necessária para exercer essa função?

Não basta o psicólogo sair da universidade, com cinco anos de graduação, e achar que ele é um psicólogo do esporte, porque existe uma diferença muito grande entre um psicólogo clínico com uma formação generalista, que as universidades promovem, para aquele que vai trabalhar com uma especialidade. O Conselho Regional de Psicologia determinou, como uma especialidade, desde 2001 a Psicologia do Esporte, para tal precisa de uma especialização, precisa de um curso de formação, um curso de pós-graduação, porque existem nuances nos atletas, nas equipes, em cada modalidade esportiva, que o profissional precisa conhecer. Conhecimentos como: linguagem própria da modalidade, como e em que momento conversar com o atleta, periodização do treinamento, saber o momento certo de aplicar determinada técnica com o atleta, se antes durante ou depois da competição.

Você acha que as faculdades de psicologia estão prontas e preparadas para formarem novos psicólogos do esporte no Brasil?

Não, as universidades não estão preparadas para isso, pois a formação do psicólogo é generalista. Sem especialização nessa área o conhecimento é defasado.

Como é a remuneração dos profissionais, existe algum padrão, piso ou teto salarial? Os profissionais são contratados dos clubes ou são prestadores de serviço?

Não existe um piso ou teto salarial, isso vai variar de clube para clube. Na maioria das vezes o profissional é contratado pelo clube, isso é importante pois o psicólogo deve estar inserido na história da instituição, que ele possa conhecer as nuances do local onde vai trabalhar. Psicólogo do esporte, NÃO É BOMBEIRO, ele não é preparado para chegar e fazer uma palestra pirotécnica onde vai contar a vida de um ídolo maravilhoso e o que ele fez com sua vida, sem conhecer o grupo com que ele vai trabalhar, sem conhecer os atletas que ele tem, se esses atletas estão ou não preparados para receber esse tipo de informação. É preciso ter muito cuidado com o que se fala e se apresenta no trabalho.

Qual a sua visão sobre o futuro da psicologia no futebol brasileiro?

A minha visão da psicologia no futebol brasileiro ainda não é boa, pelo menos nas equipes principais. Há que acontecer uma mudança de mentalidade nos treinados e nos clubes, e que eles consigam de fato entender o trabalho. É importante entenderem que a saúde mental é condição sine qua non para que um atleta possa competir. No momento que tiverem a visão sistêmica do fenômeno esportivo, como salientei anteriormente, poderão dar valor a um atleta que tenha um capital mental forte e, com isso, possa suportar as grandes pressões, dificuldades e desafios que irão encontrar pela frente.

Quais dicas você daria para quem quer ingressar nessa área? Existe um caminho a seguir?

Para quem quer entrar nessa área, é necessário buscar um curso de formação e uma associação de psicologia do esporte, que hoje existem nos grandes centros do Brasil. Para se ter uma ideia, no ciclo olímpico de Londres em 2012 era dois psicólogos para cuidar de mais de 200 atletas, já no ciclo olímpico para o Rio 2016, foram 33 psicólogos do esporte atuando com os atletas brasileiros. A partir desse momento, o Comitê Olímpico Brasileiro (COB) criou um laboratório, chamado Time Brasil, onde se tem os mais diversos profissionais trabalhando em prol do rendimento do atleta, dentre eles alguns psicólogos do esporte. É, então, muito bacana ver que o COB criou esse laboratório e que incentiva isso nas federações e confederações. O futuro dentro do esporte, de um modo geral, vejo como muito promissor, já o futebol para mim ainda é uma interrogação.

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*Paulo Ribeiro é atualmente psicólogo do Botafogo de Futebol e Regatas; Doutorando em Psicologia e Docente Universidade Veiga de Almeida (RJ).

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