Nessa entrevista falamos com Sarah Ramos*, fisiologista do Vasco da Gama. Saiba mais como é o dia a dia da profissão e como ingressar nessa carreira.
Quais são as atribuições do fisiologista do esporte?
As principais atribuições são: 1) avaliações físicas – planejamento de como e quando elas irão ocorrer dentro da temporada competitiva, quais serão as avaliações realizadas, como os resultados serão expostos, quais intervenções serão oriundas a partir dos resultados dessas avaliações etc.; 2) controle de carga – como será realizado, quais serão os parâmetros adotados; 3) processos de recuperação – quais serão as intervenções realizadas e de que maneira isso irá ocorrer; 4) protocolos de prevenção e controle de lesões. Obviamente existem outras atribuições, que também irão variar entre as instituições. O departamento de fisiologia também será muito influenciado pelos recursos existentes, por exemplo, se o clube dispõe de equipamentos para avaliação física, equipamentos para o controle de carga, entre outros. Além disso, podemos também considerar o fisiologista um dos elos entre o departamento médico do clube e o campo, tendo uma ligação direta principalmente com o trabalho realizado pela preparação física.
Qual a formação necessária para exercer essa função?
Não existe uma regra sobre a formação. Entretanto, podemos observar a grande maioria dos fisiologistas com uma formação em Educação Física. Isso não exclui indivíduos que almejam trabalhar com essa função que possuem outra formação, acredito que indivíduos com formação na área da saúde, como médicos, fisioterapeutas, entre outros, também podem exercer a função. Existem no mercado pós-graduações específicas para a formação de fisiologistas, mas também não é necessariamente um pré-requisito para a função. Acredito que um ponto importante é a necessidade de sempre se manter atualizado sobre os conceitos e práticas que cercam a função, estudando, realizando cursos, participando de eventos, entre outros.
Qual a especificidade da fisiologia para o futebol?
A fisiologia, a meu ver, possui o papel de ser a ponte entre a ciência e o futebol. Por meio da fisiologia o objetivo é que seja possível de forma prática e simples, aplicar todos os conceitos que envolvem a temática, que foram descobertos e estão em constante evolução por meio da ciência, e permeiam a busca e as intervenções práticas, pelo melhor desempenho físico dos atletas.
Até qual momento o fisiologista pode atuar para não entrar no trabalho do preparador físico?
Acredito que não exista esse momento. São funções e trabalhos que conversam entre si e que precisam estar alinhados sempre em busca do melhor para o ator principal do processo, que é o atleta.
O preparador físico pode acumular o trabalho do fisiologista ou já se pode considerar uma função indispensável no esporte?
Não acredito que o preparador possa de forma saudável, funcional e ótima acumular as duas funções. Ter um preparador físico e um fisiologista não é a mesma coisa que se ter somente um preparador físico. Obviamente que o trabalho com dois profissionais, cada um com conhecimento específico na sua área e com a atuação direcionada será melhor e mais eficiente. Entretanto, sabemos que o acúmulo de funções é realidade em alguns clubes, e infelizmente o trabalho acaba sendo prejudicado. Acredito que é o fisiologista é indispensável, da mesma forma que outros profissionais da área da saúde.
Você acha que os clubes de alto rendimento que não possuem fisiologista estão defasados?
Não acredito que defasados, mas com certeza o trabalho acaba sendo prejudicado. Vale destacar a necessidade de o clube não ter apenas o fisiologista, mas também dar o suporte para que ele possa trabalhar. Logo são necessários equipamentos, materiais, espaço, entre outros, para que se possa realizar um trabalho de excelência e contribuir de fato com o trabalho realizado na instituição.
Qual a importância do fisiologista nas categorias de base? Como esse profissional pode atuar na formação de atletas?
É extremamente importante. Na base possuímos o privilégio de termos mais tempo para trabalhar o atleta, com uma rotina bem menos intensa do que a do futebol profissional. Podemos dizer que na base é que de fato vamos formar os atletas para que quando ele chegue ao profissional sejam feitos apenas os ajustes finais, logo, o fisiologista nesse momento torna-se imprescindível. Um exemplo mais prático pode ser citado na questão das lesões: o principal fator desencadeador de uma lesão é a reincidência, logo, são necessários processos e protocolos de prevenção de lesão desde o início da formação daquele indivíduo como atleta para que seja possível entregá-lo a equipe profissional sem histórico de lesão.
Como você vê o mercado atual da fisiologia no esporte?
O mercado atual é um misto de profissionais com muita experiência prática, com anos desempenhando essa função no futebol, e novos nomes que estão construindo a sua carreira e ganhando o seu espaço. Acredito que seja um momento peculiar e interessante, onde essa troca de experiências e de visões tem contribuindo muito para o crescimento e respeito do departamento de fisiologia dentro do futebol moderno.
Qual a sua visão sobre o futuro da fisiologia no Brasil?
Acredito que é um setor que ainda tem muito a contribuir com o futebol. Principalmente levando em conta as novas tecnologias e novas possibilidades de trabalho que vem surgindo a cada dia, e que podem ser utilizadas por esse departamento. O futebol e a ciência cada vez mais caminham juntos e com certeza iremos colher bons frutos disso.
Quais dicas você daria para quem quer ingressar nessa área? Existe um caminho a seguir?
O caminho a seguir é o do estudo, da aplicação da teoria na prática, de se tornar um questionador e um crítico, de não se deixar acomodar e de sempre buscar por inovações e soluções. Não existe um roteiro a se seguir, mas acredito que essas são características importantes. Além de se inserir em um grupo de estudos, realizar estágios, participar de congressos, cursos, eventos ligados as temáticas pertinentes a fisiologia e principalmente: não esquecer da ciência, mas também não esquecer da prática.
Uma última pergunta, vê ou vivenciou alguma dificuldade ou preconceito para atuar nesse meio do futebol masculino por ser mulher?
Eu tenho a sorte de viver em um momento que no mundo as mulheres estão cada vez mais conquistando o seu espaço. Felizmente nunca passei por nenhum tipo de problema ou situação desagradável por ser mulher e trabalhar no futebol. Sei que infelizmente isso ainda não é a realidade de todas as mulheres e que também tive a sorte de trabalhar com pessoas incríveis, que nunca me trataram com nenhum tipo de preconceito.
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*Sarah Ramos é Fisiologista do Futebol de Base do C. R. Vasco da Gama; Docente na Universidade Federal do Rio de Janeiro; Integrante do Laboratório de Treinamento de Força da Universidade Federal do Rio de Janeiro; Doutoranda em Educação Física pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.
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