O advogado do São Paulo F. C., Renato Renatino Santos* nos conta como é a profissão dentro do futebol, quais suas particularidades e características. Confira!
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Qual a formação necessária para exercer essa função? Existe algum curso específico ou especialização para o esporte?
Para exercer a função de advogado faz-se necessária a conclusão do curso de Direito e aprovação no exame da Ordem dos Advogados do Brasil.
Sim, hoje no mercado é possível encontrar cursos de pós-graduação, mestrado e doutorado na área do Direito Desportivo. Atualmente, estou cursando Pós-graduação em Direito Desportivo, Gestão e Marketing Esportivo da Faculdade Brasileira de Tributação em parceria com o Instituto Brasileiro de Direito Desportivo (IBDD).
Quais as áreas de atuação de um advogado dentro do futebol?
O Direito Desportivo aplicado especificamente ao futebol permite que o advogado atue em diversas frentes, tais como, (i) direito civil quando tratamos de contratos de imagem dos jogadores, parcerias comerciais, licenciamento, patrocínios; (ii) direito trabalhista no que se refere aos contratos de trabalho dos atletas e comissão técnica; (iii) propriedade intelectual para a proteção das marcas, nomes, símbolos e cores dos clubes, (iv) direito tributário no que tange à tributação específica aplicada às entidades esportivas; (v) direito constitucional e administrativo com relação à autonomia das entidades esportivas quanto à sua organização e funcionamento; (vi) direito internacional no que diz respeito à nossa atuação junto aos entes e tribunais internacionais a que o esporte se vincula, tais como a Conmebol, a FIFA e o Tribunal Arbitral do Esporte na Suíça; (vii) Justiça Desportiva, atuação específica para processos envolvendo as competições esportivas e questões de disciplina e doping, dentre outros.
O que acha do mercado do direito esportivo no Brasil? Estamos muito longe do mercado europeu e americano?
O mercado do Direito Desportivo no Brasil está crescendo cada vez mais. Para quem atua na área, fica ainda mais evidente a grande expansão e disseminação da área nos últimos 5 ou 10 anos. Há, atualmente, um interesse muito maior no direito desportivo, e um grande número de estudantes está visando cada vez mais adentar a esta área.
Apesar da realização dos megaeventos esportivos no Brasil nos últimos anos – que fez ampliar a atuação de advogados e profissionais especializados na área –, sim, os mercados europeu e americano são bem mais avançados que nós. Na Europa, como um todo, é possível encontrar os cursos de mestrado e doutorado mais cobiçados e recomendados pelos atores que militam na área do desporto e do Direito Desportivo. Além disso, os maiores campeonatos de futebol especificamente, em termos de audiência e receita são os europeus, tais como Premier League, La Liga, Séria A, Ligue 1, Bundesliga, dentre outros.
No que tange ao mercado americano, levamos como exemplo sua estrutura majoritariamente de ligas, com franquias que disputam as competições, milhões de dólares arrecadados anualmente com as partidas e, principalmente, com as finais das modalidades que atraem os olhares do mundo inteiro, como por exemplo, o “Super Bowl” no futebol americano e “The Finals” no basquete.
A legislação esportiva brasileira atende as demandas do futebol moderno? Como a lei Pelé influenciou esse processo?
Entendo que sim. O ordenamento jurídico brasileiro e as leis vigentes em nosso País abarcam grande parte das demandas encontradas no futebol atualmente, pois temos um conjunto normativo sólido que permite aos militantes do direito desportivo, por exemplo, ter uma satisfatória segurança jurídica na tomada de decisões, e consultoria jurídica aos clubes.
Entretanto, as leis e normas aplicadas ao futebol e ao direito desportivo como um todo devem ser constantemente atualizadas, por estarem em sua maioria defasadas, a fim de garantir sua plena execução diante de fatos novos que surgem naturalmente no dia a dia do esporte.
Tanto é que, em 2016, em 30 de novembro, o anteprojeto da Lei Geral do Esporte, de relatoria do Dr. Wladimyr Vinycius Camargos, foi entregue ao Senado, o qual tem por escopo modernizar os dispositivos legais que regem o esporte nacional, promovendo maior segurança jurídica aos membros que nele atuam.
A Lei Pelé (Lei 9.615/98) trouxe muitas disposições legais que já estavam presentes na revogada Lei Zico, entretanto, é muito conhecida, especialmente, por ter extinguido a figura do “passe” no Brasil, permitindo aos atletas terem a liberdade de se transferirem a outros clubes ao término de seus contratos de forma não onerosa. Como se sabe, antigamente, mesmo que o contrato do atleta junto a um clube de futebol se encerrasse pelo lapso temporal, o atleta era considerado como um ativo de propriedade do clube, e apenas poderia atuar por outra equipe se o clube interessado em seu trabalho pagasse pela sua saída do clube que o valorizou e formou.
Além disso, sobre o futebol especificamente, encontramos na Lei Pelé diversas disposições acerca dos contratos de trabalho de atletas profissionais e formação de atletas menores, profissionalização dos atletas amadores, mecanismo de solidariedade, contratação de seguro de vida e acidentes pessoais decorrentes da atividade esportiva dos atletas, dentre outras.
Você acredita que os clubes devem ter seus próprios advogados ou seria melhor terceirizar o departamento jurídico?
Na realidade acredito que a melhor estrutura jurídica para os clubes é ter tanto advogado próprios trabalhando internamente nos clubes, quanto escritórios de advocacia terceirizados. Isto, porque os clubes encontram uma vasta gama de assuntos e especialidades que devem ser tratadas e resolvidas diariamente, sendo necessário um conjunto de esforços para que os trabalhos sejam feitos da melhor forma possível.
É de suma importância o clube ter advogados próprios e internos, pois são estes que vivem o dia a dia do clube, entendem como funcionam suas engrenagens, estão em contato direto com o Presidente, Vice-Presidentes, Diretores, demais funcionários e atletas, e permitem maior celeridade e efetividade nos trabalhos desenvolvidos. Entretanto, como a demanda costuma ser alta, e das mais diversas especialidades, é necessário que sejam terceirizados escritórios de advocacia que cuidem especificamente de algum direito material, como o civil, trabalhista, tributário, penal, propriedade intelectual, para que sejam cumpridas todas as exigências e entendidas todas as especificidades de cada um dos assuntos tratados.
Assim, o conjunto de esforços entre advogados internos e terceirizados é salutar para a plena segurança jurídica dos clubes.
Quais as grandes dificuldades que você vê na área e o que fazer para mudar esse quadro?
Reparo que muitas pessoas têm interesse em atuar no mercado do desporto, mas nem todas têm noção de onde procurar e tampouco de como começar a trabalhar no meio esportivo. Vejo que ainda faltam oportunidades concretas para se iniciar no direito desportivo, e essa é uma dificuldade que durante toda minha formação, e atualmente, ainda vejo pessoas se queixando.
Acredito que as providências já estão sendo tomadas, e mudanças sendo efetuadas, no sentido de que cada vez mais o Direito Desportivo vem sendo disseminado em âmbito nacional, seja por doutrinas, jurisprudência, cursos de extensão, especializações, palestras e eventos vêm surgindo gradualmente, com cada vez mais interessados.
Você acha que as faculdades e cursos de direito estão prontos ou preparados para formarem novos advogados esportivos no Brasil?
Definitivamente não. Apenas algumas faculdades em São Paulo, e no Brasil, oferecem o curso de direito desportivo, e ainda como matéria eletiva. Não tenho conhecimento de nenhuma que tenha a matéria como obrigatória e contida na grade curricular.
Exemplo disso é que, em junho, promovemos um processo seletivo no São Paulo Futebol Clube para a contratação de estagiários. Dos mais de cem candidatos que participaram da seleção, apenas dois ou três tinham alguma noção sobre o direito desportivo, e no máximo dez já tinham lido algo sobre.
Infelizmente, o direito desportivo não é muito difundido nas faculdades, e seu acesso, a quem não conhece e não tem contato, acaba sendo dificultado, pois normalmente o estudante não sabe onde procurar e/ou não entende o material.
Qual a sua visão sobre o futuro do direito esportivo no Brasil?
Conforme já abordado nos questionamentos anteriores, vejo o futuro do direito esportivo no Brasil com bons olhos. O anteprojeto da Lei Geral do Esporte, atualmente em trâmite no Senado, contou com discussões e debates de juristas extremamente renomados no âmbito do Direito Desportivo, bem como de militantes na área, na condição de dirigentes, auditores de tribunais de justiça desportiva, advogados e consultores de clubes, e a expectativa é que a nova lei garanta ainda mais segurança jurídica ao mercado dos esportes e auxilie os advogados que trabalham na área.
Não obstante, é evidente o vultuoso crescimento de materiais, eventos e oportunidades na área, com o intuito de suprir crescente interesse das pessoas em atuar no Direito Desportivo.
Quais dicas você daria para quem quer ingressar nessa área? Existe um caminho a seguir?
Sugiro que estejam sempre atentos aos eventos, novidades e publicações relacionados ao Direito Desportivo. Acompanhar os sites das associações existentes tais como do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo, da Academia Nacional de Direito Desportivo e das Comissões de Direito desportivo espalhadas pelas secções da Ordem dos Advogados do Brasil. Acompanhar os julgamentos das centenas de tribunais de Justiça Desportiva espalhados por todo o Brasil também é muito importante para se familiarizar com o Direito e a Justiça Desportiva. Oportunidades na área surgem, principalmente, com o constante contato com as pessoas que nela atuam. É um ramo muito específico um pouco complicado de encontrar emprego imediato, entretanto, com a demonstração pública de conhecimento na área, e, envolvendo-se de bons profissionais no meio, as oportunidades são consequência do esforço.
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*Renato Renatino Santos é Advogado do São Paulo Futebol Clube; Pós-graduando em Direito Desportivo, Gestão e Marketing Esportivo pela Faculdade Brasileira de Tributação (INEJE/Instituto Brasileiro de Direito Desportivo-IBDD); Graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie; Auditor do Superior Tribunal de Justiça Desportiva da Confederação Brasileira de Atletismo.
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