Nessa entrevista aprendemos como funciona a fisioterapia dentro do futebol. Falamos com o fisioterapeuta do São Bernardo Futebol Clube, Leandro Dias*
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Quais são as atribuições do fisioterapeuta do futebol?
De acordo com a resolução do COFFITO n.º 336, de 08/11/2007 no artigo 1º a competência do fisioterapeuta do esporte refere-se na atuação do Fisioterapeuta na Especialidade em Fisioterapia Esportiva. Se caracteriza pelo exercício profissional desde a promoção de atenção básica direta à saúde do paciente por meio do diagnóstico cinético-funcional bem como a eleição e execução de métodos fisioterapêuticos pertinentes a este, observando os seguintes aspectos relacionados à prática esportiva, tais como:
I – Atividade física no contexto da saúde, do esporte e do lazer;
II – Exercício físico e condicionamento físico dentro do processo da recuperação funcional, seguindo os critérios de retorno à prática esportiva;
III – Relação do esporte e atividade física no contexto da saúde coletiva e da prevenção das lesões;
IV – Fisiologia do exercício, propriedades biomecânicas do tecido musculoesquelético e características biomecânicas das lesões esportivas;
V – Fatores predisponentes (extrínsecos e intrínsecos) relacionados com as modalidades esportivas;
VI – Fatores epidemiológicos e predisponentes à ação da assistência fisioterapêutica especializada na área;
VII – Contextualização dos diferentes níveis de complexidade de atenção à saúde e das políticas públicas de saúde, com enfoque especial para a Atenção Básica garantindo a promoção da saúde de atletas profissionais, praticantes de atividades esportivas, incluindo aqueles com deficiência ou necessidades especiais, bem como a prevenção de lesões e a recuperação funcional em casos de comprometimentos.
Qual a formação necessária para exercer essa função?
É necessário a graduação de fisioterapia (dependendo de algumas instituições a carga horária pode ser fracionada ao longo de 4 a 5 anos), e um curso de pós-graduação latu senso de boa qualidade específica para o esporte em geral.
Qual a especificidade da fisioterapia para o futebol?
No futebol a fisioterapia tem como função majoritária, atuar na reabilitação em torno dos diagnósticos cinético-funcionais, porém, o fisioterapeuta esportivo também tem como função identificar a epidemiologia das lesões ao longo das temporadas e executar exercícios preventivos para as disfunções mais corriqueiras dentro de cada equipe, vale salientar que, dentro de um clube de futebol geralmente existem as equipes do infanto, infantil, juvenil, juniores, e profissional, além do futebol feminino. Também existem clubes-empresa de futebol que possuem a categoria máster de futebol (a categoria máster é composta por ex-atletas de futebol profissional).
Qual a importância de um clube de alto rendimento ter um profissional de fisioterapia integrando a comissão técnica de forma permanente?
É de suma importância a permanência de um profissional competente e com boa titulação dentro de um clube de futebol, além de, estar completamente atualizado em novas técnicas e trabalhos publicados de acordo com a literatura. Uma equipe permanente proporciona ao clube um melhor conhecimento de cada atleta, desde o infantil até o profissional, por exemplo. Nas inter-temporadas, que é quando um atleta faz a transição de uma categoria para a outra, os dados e os conhecimentos daquele atleta, tornam mais fáceis o trabalho da comissão técnica na categoria de cima. Mas por outro lado, a palavra permanente traz uma sensação de conforto absoluto, o que faz com que alguns profissionais fiquem estagnados em uma sensação de conforto, sem atualizações profissionais e realizando as “mesmices” de sempre, sendo que, o futebol é dinâmico, consequentemente torna a ciência e as técnicas com novos modelos de tratamentos dinâmicos de forma paralela.
Como é o trabalho do fisioterapeuta em conjunto com o preparador físico, até onde vai a atuação de cada um?
O trabalho em conjunto entre preparador físico e fisioterapeuta começa ainda antes do atleta se lesionar. Um exemplo: durante esse processo o fisioterapeuta atua em conjunto com a comissão técnica durante os treinamentos de chute a gol em dias de chuva, pois o consenso seria avaliar o quanto pesado estariam a bola, juntamente com a chuteira, meias etc., para que durante as repetições de chute não acabe sobrecarregando os músculos adutores da perna juntamente com os músculos rotadores do quadril, podendo desencadear algum tipo de lesão muscular. Outro exemplo é quando ocorre a contratação de um jogador, que após passar pela avaliação médica são coletadas informações de que esse atleta já foi diagnosticado anteriormente com uma pubalgia que o deixou fora dos treinamentos por três meses em seu clube anterior, mas que hoje realiza normalmente seus treinamentos. Nesse caso, há um consenso com a fisioterapia e a preparação física para que durante a semana este atleta passe antes do início do treinamento no departamento médico para realizar alguns tipos de exercícios fortalecimento muscular específico para a região a ser trabalhada com objetivo preventivo. Mas por que os dias de exercícios devem ser discutidos? Os exercícios devem ser discutidos dentro da carga de trabalho proposta pela preparação física, pois os exercícios a serem realizados não podem comprometer o rendimento do atleta nos treinamentos nem mesmo promover uma sobrecarga de trabalho. E por fim, quando o atleta esta em fase final de reabilitação, ou seja, quando ele consegue correr, fazer giros, fazer execuções com bola sem relatar alguma dor na região que forá tratada, nesse momento o departamento médico esta respeitando o tempo fisiológico da cicatrização da lesão, sendo que, um dos objetivos passa a ser o condicionamento cardiovascular, onde será discutido com a preparação física os dias, a intensidade e o volume de trabalho para esse atleta, para que quando ele esteja com o grupo, o condicionamento físico deste atleta não esteja tão abaixo quando comparado com os demais atletas do grupo.
Como é a atuação do fisioterapeuta nas categorias de base, existe alguma diferença para o profissional?
Sim, existe uma imensa diferença entre atletas da categoria de base quando comparados com atletas do profissional. Vale lembrar que mesmo no profissional temos atletas com idade de categoria de base, de forma que, nossos olhos devem estar muito atentos para algumas intercorrências. Na categoria de base é praticado um tipo de jogo com intensidade e volume diferente, além de alguns clubes utilizarem o gramado sintético para jogar o que torna o jogo mais rápido. Ainda temos nas categorias de base jogos em campos irregulares, tornando o jogo aéreo como uma das opções, e isso, faz com que a bola esteja frequentemente em disputa no alto, o que acarreta em lesões corte contusas de cabeça, luxações de ombro, fratura de membros inferiores além de concussões de cabeça. A grande diferença é que na categoria de base, nós lidamos com atletas que estão em pleno desenvolvimento osteomioarticular, e qualquer desarranjo ou até mesmo uma lesão mal interpretada e mal curada, irá influenciar no desempenho atlético ou até mesmo em sua vida diária. Enquanto que no profissional, temos majoritariamente atletas com o tecido osteomioarticular todo desenvolvido onde o que irá prevalecer serão os trabalhos preventivos dos tecidos, mas se neste grupo houver algum atleta com idade de categoria de base devemos dar as responsabilidades de atleta profissional, porém, um profissional com tecido de categoria de base.
Como você vê o mercado atual da fisioterapia no futebol?
O mercado de fisioterapia no futebol ainda é promissor, em minha opinião ainda há muitas coisas a serem melhoradas. Um exemplo clássico é a validação de diplomas de brasileiros para atuar fora do Brasil, acho que já está mais que comprovado que a fisioterapia brasileira é a melhor do mundo. Quantos atletas não vemos na mídia que preferem recuperar no Brasil? O exemplo mais recente foi o Gabriel Jesus, e olha que ele esta atuando em um clube em um dos países mais ricos do mundo. Mas não posso dizer que não está bom, sim está! Se cada time de futebol tiver no mínimo dois profissionais de fisioterapia eu já vejo isso como um bom começo.
Qual a sua visão sobre o futuro da fisioterapia esportiva no Brasil?
No Brasil, a utilização dos recursos físicos na assistência à saúde iniciou-se por volta de 1879, na época da industrialização, devido ao grande número de acidentados do trabalho, e seus objetivos eram voltados para a assistência curativa e reabilitadora. Em 1929 o médico Dr. Waldo Rolim de Moraes, instalou o serviço de fisioterapia do Instituto Radium Arnaldo Vieira para atender aos pacientes da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. Posteriormente organizou o serviço de fisioterapia do Hospital das Clínicas de São Paulo. Na década de 1950 a incidência de poliomielite atingia índices alarmantes e como consequência o número de indivíduos portadores de sequelas motoras e que necessitavam de uma reabilitação para a sociedade. O número de pessoas acometidas pelos acidentes de trabalho no Brasil se apresentava como um dos maiores da América do Sul, e essa expressiva faixa populacional precisava ser reabilitada para reintegrar o sistema produtivo do país. Em 1951 surge no Brasil o primeiro curso para a formação de técnicos em fisioterapia. Em 1956 surgiu o primeiro curso com duração de dois anos para formar fisioterapeutas que atuassem na reabilitação (Sanchez, 1984, p.31). Em 1969 a fisioterapia no Brasil foi regulamentada como profissão através do decreto-lei nº 938 de 13 de outubro de 1969.
Mas foi no final dos anos 1990 com caso do Romário, naquela época atleta da seleção brasileira, que o Brasil se deu conta da importância da fisioterapia, e após esse período se tronou mais evidente nos anos 2000 com o também atleta da seleção brasileira Ronaldo Nazário.
Acredito que a fisioterapia no Brasil esta vivendo a sua melhor fase, pois temos diretores e dirigentes competentes com uma visão futurista que têm a fisioterapia como um anexo importante dentro de um clube de futebol.
Quais dicas você daria para quem quer ingressar nessa área? Existe um caminho a seguir?
Ainda enquanto estudante é normal pensarmos em chegar logo e terminar a graduação, mas aí vai a minha dica: invista em você! Tenha o costume de participar de congressos, simpósios e encontros de temas que estão relacionados ao esporte. Tenha uma boa base de fisiologia, biomecânica, cinesiologia e eletroterapia. Procure fazer o trabalho de conclusão de curso direcionado para aquilo que você gosta de atuar e quando terminar a graduação procure uma pós-graduação latu senso de qualidade. Não tem segredo, tem estudo e dedicação.
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*Leandro Dias é Fisioterapeuta no São Bernardo F. C. Especialista em fisiologia e biomecânica – IOT-HC/FMUSP; Mestrando em ciências do esporte IOT-HC/FMUSP; Docente em anatomia e fisiologia UNIESP; Atua como consultor na Réhabilite Sportif; Membro associado do American College Sports Medicine
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