Na entrevista de hoje falamos com o coach esportivo Ronan Mairesse* sobre esse novo profissional dentro das equipes de futebol.
Ronan Mairesse
Qual a formação necessária para ser coach esportivo? Existe algum curso específico?
Não existe nenhuma formação acadêmica específica para se tornar um Coach do Esporte, eu por exemplo venho do mundo dos negócios, onde a alta performance e a busca por resultados diários é muito forte, mas para ter um “trânsito maior” entre os profissionais, inicio nesse ano o Curso de Psicologia para ter a certificação e buscar ir para a Olimpíada de Tóquio. Existe hoje um curso em São Paulo o curso Coaching de Excelência Esportiva que ensina Coaches convencionais essa metodologia. Eu utilizo a metodologia Now Experience que aprendi com o meu mentor Roberto Shinyashiki por ser mais eficaz ao meu modo de trabalhar. Utilizo o Coaching e a Mentoria ao mesmo tempo, e assim consigo potencializar o resultado esperado.
Como é a atuação de um coach dentro de um clube de futebol? Quais as atribuições dessa função?
Depende muito! E esse talvez seja uma das resistências dos clubes em contratar coaches. Tenho visto Coaches do mundo coorporativo agindo dentro de vestiários como se fossem salas de reunião. Muito errado! Outro dia fiquei sabendo que um Coach logo após a partida, reúne os jogadores para elevar a consciência dos erros e acertos no jogo. Após a partida o jogador quer ir para casa abraçar os filhos e esposa. Vou falar do meu modo de trabalho. A minha atuação é discreta durante o tempo que estou ali, costumo dizer que entro pela porta dos fundos e saio pela porta dos fundos. Sou um elo forte de ligação entre o técnico e os atletas, monitoro a energia do grupo e de cada pessoa individualmente, ouço, oriento, faço pensar, ajudo nas decisões de cada membro do grupo, atletas, técnico e comissão em geral. Outro dia em uma competição, um atleta estava irritadíssimo com a reserva, o escutei, ouvi ele dizer que tinha vontade de gritar com o técnico, então perguntei: o que você vai fazer amanhã no treino para mostrar para o técnico que você merece ser titular, ele respondeu: – “vou mostrar para esse filho da mãe que eu mereço ser titular no final de semana”. Resultado, ele utilizou a raiva de maneira positiva para mudar a si mesmo, e não o técnico, e por mudar a si mesmo, treinou bem e conquistou a titularidade fazendo uma ótima competição.
Então o meu trabalho como coach esportivo é ajudar a equipe definir e como chegar nos objetivos, observando as energias do grupo, ficar atento a distrações que interfiram no desempenho, ensinar técnicas de controle mental e blindagem da negatividade, regular níveis de concentração, elevar o nível de desempenho por responsabilidade, ajudar jogadores e comissão a tomarem decisões de maneira mais fria, ensinar ao técnico técnicas de gestão de pessoas, energização e motivação.
O trabalho de coaching pode ser comparado com o trabalho psicológico? Quais seriam as principais diferenças?
O Coaching foca no alto desempenho, e para isso é preciso trabalhar muito os pensamentos. É a única parte em que a Psicologia e o Coaching se encontram. Eu gosto muito de trabalhar junto com o psicólogo do clube, por enquanto eu me preocupo em fazer o atleta jogar amanhã, o psicólogo trabalha as questões emocionais criadas em eventos passados. Eu foco na ação imediata, ajudo o atleta a ter uma condição emocional ideal no momento para executar o que for preciso no agora.
Como está a aceitação desse tipo de trabalho por parte dos profissionais do futebol?
Os clubes que tenho contato, e as pessoas que tenho conversado estão achando muito importante o meu trabalho, tanto que atualmente tenho pedidos de clubes de série A e série B para trabalhar na base que é onde vejo que podemos ter um resultado excelente a longo prazo, já no profissional o trabalho tem um resultado a curto prazo. Esses dias atendi um jogador que até o ano passado estava na seleção brasileira e que o seu desempenho caiu muito nos últimos meses. Como eu foco na ação imediata, e o atleta já tem resultado no mesmo dia, estou sendo muito procurado. Como um dirigente me disse outro dia: – “o seu trabalho é bem o que precisamos aqui no clube, nós não queremos saber o porquê ele se sente assim, queremos que ele jogue!”
Faço o atleta jogar, mas recomendo sempre que necessário o acompanhamento de um psicólogo para trabalhar as questões que não são de minha competência.
Você acredita que um profissional de coaching é uma figura obrigatória dentro de uma comissão técnica no futebol moderno?
Obrigatória não digo, é preciso haver um casamento. Já trabalhei com equipes onde em um grupo de 28 atletas, tive dois que não se adaptaram. O primeiro ponto é o técnico aceitar, ser humilde em aprender o que ensino para ele gerir e regular os graus de energia da equipe. Penso que em uma equipe que deseja alcançar suas metas, é preciso de alguém que fique atento ao fator humano individual e grupal. Outro dia um atleta, o melhor atleta de uma determinada equipe parou de dar resultado, eu percebi que existia algo, conversei com ele e descobri que ele tinha um problema de relacionamento com o pai, ajudei ele a pensar e ter uma conversa assertiva com o familiar e o rapaz voltou a jogar em alto desempenho novamente.
O que acha do mercado de coaching no Brasil? Estamos muito longe do mercado americano e europeu?
O mercado de Coaching no Brasil está corrompido, a maioria das escolas ensina para ganhar dinheiro e não para formar especialista de verdade. Não é fazendo uma formação que você se transforma em Coach, é estudando muito comportamento humano e aplicando em si mesmo em primeiro lugar. Existem cursos que ensinam coaching online, um absurdo total. Não caia nessa! Procure escolas onde o instrutor seja coach de verdade, tenha cliente, aplique todo o dia a metodologia. Cuidado, coaching não é show, coaching não é grito de guerra, coaching não é sorrisos e gargalhadas, coaching é coisa séria! Já soube de cursos de coaching que destruíram a vida financeira de famílias, destruíram relacionamentos. Tem muito instrutor de coaching “famoso” bom de vídeo que na verdade não aplica o que ensina, que tem alguém que cria o roteiro para falar no vídeo, que tem livro e não o escreveu. A diferença nossa para o mercado americano e europeu é justamente a ética.
Como é a remuneração dos profissionais, existe algum padrão, piso ou teto salarial?
Excelente pergunta. Às vezes ganhamos mais de material esportivo do que cache pelos nossos serviços. Eu, por exemplo, ganho a vida palestrando para empresas e coaching executivo empresarial. Atletas e equipes o valor é muitíssimo baixo. Fazemos por amor mesmo ao esporte e as pessoas. Sou chamado em momentos específicos, fico uma semana ou outra e volto às minhas atividades onde sou bem remunerado. Muitos Coaches me perguntam se dá grana, e esses ficam boquiabertos quando sabem da verdade. O meu maior ganho é ver um atleta ou a equipe conquistar um objetivo dentro da competição.
Outro dia um atleta não vinha jogando bem e eu o preparei para um jogo em uma competição internacional, o atleta foi um dos melhores em campo e graças a essa atuação está se transferindo para um clube europeu. Esse é o verdadeiro ganho. Fico mais feliz com o sucesso dos meus clientes do que com o meu sucesso. A propósito, o atleta alcançando o objetivo individual, um dos meus pagamentos é uma camiseta.
Quais as grandes dificuldades que você vê na área e o que fazer para mudar esse quadro?
A maior dificuldade é mostrar para os membros das equipes que esse trabalho realmente faz a diferença, o meu maior receio é a quantidade de coaches que se acham especialistas, entrando dentro de clubes e fazendo coisas que o mundo do futebol não concorda. Isso faz com que toda a nossa categoria seja colocada em cheque.
Outro dia, por exemplo, um coach esteve em um grande clube do futebol brasileiro, aplicou a mesma metodologia empresarial de gestão de grupo, fez palestras motivacionais, tirou fotos, expôs os atletas na mídia, o foco foi mais na autopromoção do que no alto desempenho individual. Resultado, esse clube não quer mais saber de coaching, um atleta inclusive dessa equipe, é meu cliente hoje, ele mesmo diz que o meu trabalho é completamente diferente, e se eu estivesse lá, talvez a equipe não tivesse caído para a segunda divisão.
Qual a sua visão sobre o futuro do coaching no futebol?
Terá mercado para aqueles que souberem alinhar ao mesmo tempo psicologia e coaching com foco no alto desempenho. Assim como a psicologia, o coaching no futebol poderá sofrer resistência, justamente pela quantidade de Coaches fracos que acreditam que apenas aprender a metodologia já é o suficiente. Com o tempo os que realmente tem competência serão sempre lembrados.
Quais dicas você daria para quem quer ingressar nessa área? Existe um caminho a seguir?
Primeiro, faça uma formação de coaching, aplique em si mesmo, aprenda a metodologia esportiva, tenha uma base de fundamentação teórica forte e busque uma formação em psicologia. Faça 10, 20, 30 sessões de coaching esportivo de graça, para ter uma prática na metodologia, seja humilde em não pegar nada grande se não estiver 100% preparado, as pessoas podem lhe “devorar” dentro do vestiário, e por fim, não entre nessa para ganhar dinheiro, entre para ajudar de coração que o dinheiro será consequência.
.
.
*Ronan Mairesse é palestrante; Coach Executivo e Esportivo; Especialista em comportamento humano, liderança, gestão de pessoas e alto desempenho. Tem experiência com vários atletas olímpicos medalhistas e Seleção Brasileira de Futebol Sub-20. Supervisionado diretamente por Roberto Shinyashiki na aplicação do Método NOW EXPERIENCE
.
.
.