CARACTERÍSTICAS FÍSICAS NO FUTEBOL

O futebol é uma das modalidades esportivas que apresenta a maior dificuldade para a sua caracterização com relação ao esforço físico requerido. Em provas como 100 metros rasos do atletismo ou a maratona é fácil definir, são esportes com predominância anaeróbica e aeróbica, respectivamente. Mas o futebol apresenta características particulares em cada movimento. Este texto tenta por meio de uma revisão de literatura caracterizar o esforço físico do futebol.

O respeito pela multiplicidade expressiva do homem no futebol permitirá a “criação” de um modelo de jogador desenvolvido e sem carências gritantes. Por via das exigências analíticas se é forçado por vezes a separar o sujeito-atuante (motor), do sujeito-sentimento (afetivo) e do sujeito-pensante (cognitivo), mas não se poderá perder de vista a indissociabilidade de todas as vertentes que caracterizam o homem em situação, o homem como unidade, uno na sua diversidade (SANTOS, 1992).

O futebol é uma modalidade esportiva intermitente, com constantes mudanças de intensidade e atividades. A imprevisibilidade dos acontecimentos e ações durante uma partida exige que o atleta esteja preparado para reagir aos mais diferentes estímulos, da maneira mais eficiente possível (BARBANTI, 1996). REILLY (1997) afirma que a maioria das atividades relacionadas com o futebol competitivo é de intensidade submáxima.

A principal via metabólica durante o futebol competitivo é a aeróbica e as respostas metabólicas são em geral análogas às encontradas nos exercícios de endurance. A maioria das atividades é composta de movimentos sem bola (REILLY; BANGSBO; FRANKS, 2000).

O futebol compreende vários tipos de deslocamentos, embora a caminhada e o trote sejam predominantes. É necessário treinar a capacidade de resistência aeróbica para que os jogadores possam se movimentar, durante os 90 minutos, com períodos de movimentos de alta intensidade, como acelerações em pequenas distâncias (YAMANEKA; ASAMI; TOGARI et al., citado por PERES, 1996).

Segundo MARTIN (2002, p. 2) “o futebol é um jogo no qual as demandas fisiológicas são multifatoriais e variam durante a partida e encontra-se alta concentração de lactato sanguíneo e elevada concentração de amônia durante o período de jogo, fato que indica que ocorre maior metabolismo muscular e alterações iônicas e estas alterações levam à fadiga”.

Ainda de acordo com MARTIN (2002, p. 3) “o futebol é caracterizado como exercício de alta intensidade intermitente e a relação entre o repouso e períodos de baixa e grande intensidades variam de acordo com o estilo individual de jogar, mas o mais importante é a posição de jogador em campo, já que o jogador corre aproximadamente 10 km por partida, sendo que entre 8 – 18% é na maior velocidade individual”.

De acordo com REILLY (1997), a intensidade do exercício durante o jogo pode ser determinada pela distância percorrida. O autor encontrou valores entre oito e doze quilômetros. Para BANGSBO, citado por MARTIN (2002), chegam a onze quilômetros, e segundo HELGERUD et al. (2001), os valores estão entre nove e onze quilômetros. RICO-SANZ, ZHENDER, BUCHLI, DAMBACH e BOUTELLIER, citado por MARTIN (2002) definem o futebol como um esporte de endurance de intensidade alternada.

O desempenho no futebol é caracterizado pela grande demanda de potência anaeróbica, pois a concentração de lactato sanguíneo pode chegar, durante a partida, a valores de 8 a 12 mmol/l (EKBLOM; AGNEVIK, citado por BOSCO, 1994; EKBLOM, citado por MARTIN, 2002).

MAYHEW e WENGER (1985) realizaram um estudo sobre análise de movimentos em futebolistas e constataram que o futebol é uma atividade predominantemente aeróbia, com somente 12% do tempo de jogo gasto com atividades que utilizam substratos energéticos anaeróbicos. Para BOSCO (1994), 11% da distância total é percorrida sob a forma desprint. Constata-se que o sistema anaeróbico alático é o principal sistema anaeróbico da modalidade. O futebol é um esporte com componentes anaeróbicos aláticos e láticos (MARTIN, 2002).

Existem características fisiológicas específicas para essa modalidade esportiva. As posições específicas também apresentam características fisiológicas diferenciadas (BARBANTI, 1996). É evidente que as demandas fisiológicas do futebol variam com a taxa de trabalho em diferentes posições (REILLY; BANGSBO; FRANKS, 2000).

Um estudo realizado durante a Copa América de 1995, no Uruguai, constatou uma porcentagem de gordura em torno de 11% e massa muscular de 62% (REINZI et al., citado por REILLY; BANGSBO; FRANKS, 2000). As características antropométricas apresentam uma certa heterogeneidade entre cada posição. Os goleiros e os zagueiros são mais altos que os jogadores de outras posições, por exemplo (REILLY; BANGSBO; FRANKS, 2000).

Os valores máximos de VO2 encontrados em estudos ficam em torno de 56 e 69 ml/kg/min (BOSCO, citado por BOSCO, 1994; REILLY, citado por REILLY; BANGSBO; FRANKS, 2000). São valores próximos aos de outros esportes coletivos, mas baixos em relação a esportes de endurance, que chegam perto de 80 ml/kg/min (REILLY e SECHER, citado por REILLY; BANGSBO; FRANKS, 2000). Existem variações no VO2 máx. em relação às diferentes posições (REILLY; BANGSBO; FRANKS, 2000). Atletas com maiores índices de VO2 máx. tendem a participar mais das partidas (HELGERUD et al., 2001), apresentando um menor índice de fadiga (REILLY, 1997).

O somatotipo tende a ficar estável mesmo com o incremento da idade (VIVIANI; CASAGRANDE; TONIUTTO, 1993). Jogadores devem se adaptar às exigências do jogo para poderem competir num alto nível. Assim, a condição física dos atletas de elite pode indicar a demanda fisiológica do jogo (REILLY; BANGSBO; FRANKS, 2000). Para REILLY (1997), o estilo de jogar influencia nas demandas fisiológicas dos jogadores. Segundo REILLY et al. (2000), as características que devem ser trabalhadas para se chegar ao profissionalismo são: resistência aeróbia, velocidade, força, flexibilidade, agilidade, composição corporal (percentil de gordura) e somatotipo.

MELO (1997) define que os atletas de futebol possuem características físicas específicas por posição.

– Goleiro: força explosiva, flexibilidade, equilíbrio, resistência muscular localizada e velocidade de reação.

– Laterais: força explosiva, resistência e coordenação.

– Zagueiros: força, impulsão, equilíbrio, velocidade de reação e agilidade.

– Meio-campo: resistência, coordenação, recuperação e velocidade.

– Atacantes: velocidade, agilidade, equilíbrio e força explosiva.

De acordo com GARCIA, MUIÑO e TELEÑA (1977), o futebol exige resistência, velocidade, agilidade e força. Para KUNZE (1987), o futebol exige uma série de capacidades, resistência, velocidade e força como princípios decisivos, mas também agilidade e flexibilidade. A resistência tem sua importância para desempenhar uma boa performance durante todo o jogo. A velocidade é necessária para percorrer as distâncias curtas o mais rápido possível. Afirma também que a ligação entre as capacidades é de extrema importância, como também entre a velocidade e a agilidade. Para VIVIANI, CASAGRANDE e TONIUTTO (1993), muitas qualidades são exigidas para uma boa performance de um jogador de futebol: destreza, força, velocidade de mobilidade articular e habilidade. Essas características independem da posição dos atletas. Para SCHMID e ALEJO (2002), o futebol requer força, potência, velocidade, agilidade e resistência. Destacam que, apesar da importância dessas capacidades, a velocidade é talvez a mais importante. O simples fato de essa capacidade estar em evidência pode mudar uma partida.

GARRETT e KIRKENDALL, citado por OLIVEIRA (2000, p. 55) afirmam que “a habilidade controlada com mudanças rápida de direção, parece ser uma característica inerente aos jogadores de futebol ou de outros esportes coletivos”.

O jogador deve possuir uma grande bagagem técnica, para que por meio da condição física possa estar apto a desenvolver estratégias e funções táticas (SANTOS, 1992).

Portanto, observa-se que o futebol é um esporte que exige uma atenção muito grande com relação aos esforços realizados e consequentes utilizações das fontes energéticas. O preparador físico, nutricionista, fisiologista e até o treinador devem conhecer a fundo essas características, para que possam obter o rendimento máximo de seu atleta, sem prejudicar a sua saúde ou a carreira futura.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARBANTI, V. J. Treinamento físico: bases científicas. 3. ed. São Paulo: CLR Balieiro, 1996.  116 p.

BOSCO, C. Aspectos fisiológicos de la preparación física del futbolista. Revisão e Adaptação de Jordi Mateo Vila. 2. ed. Barcelona: Paidotribo, 1994.

GARCIA, C. M.; MUIÑO, E. T.; TELEÑA, A. P. La Preparación Física en el Fútbol. Madrid: [s.n.], 1977.

HELGERUD, J.; ENGEN, L. C.; WISLØFF, U.; HOFF, J. Aerobic endurance training improves soccer performance.  Medicine & Science in Sports & Exercise, [S.l.]: Lippincott Williams & Wilkins, v. 33, n. 11, p. 1925-1931, nov. 2001.

KUNZE, A. Futebol. Tradução de Ana Maria de Oliveira Mendonça. Revisão Científica de Eduardo Vingada. Colecção Desporto n. 10. Lisboa: Estampa, 1987. Cap. 6, p. 129-141. (Condição Física).

MARTIN, V. Futebol: Lactato e Amônia Sanguíneos em Teste de Velocidade Supra-Máxima. 2002. Dissertação (Mestrado) – Escola de Educação Física e Esporte, Universidade de São Paulo, São Paulo. 2002.

MAYHEW, S. R.; WENGER, H. A. Time-Motion Analysis of Professional Soccer.  Journal of Human Movement Studies, Edinburgh: Teviot, v. 11, p. 49-52, 1985.

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OLIVEIRA, M. C. Influência do ritmo na agilidade em futebol. 2000. 83f. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de São Paulo, São Paulo. 2000.

PERES, B. A. Estudo das variáveis antropométricas e de aptidão física de futebolistas japoneses e brasileiros. 1996. Dissertação (Mestrado) – Escola de Educação Física e Esporte, Universidade de São Paulo, São Paulo. 1996.

REILLY, T. Energetics of high-intensity exercise (soccer) with particular reference to fadigue. Journal of Sports Sciences, [S.l.]: E. & F.N. Spon, v. 15, p. 257-263, 1997.

REILLY, T.; BANGSBO, J.; FRANKS, A. Anthropometric and physiological predispositions for elite soccer. Journal of Sports Sciences, [S.l.]: Taylor & Francis, v. 18, p. 669-683, 2000.

REILLY, T.; WILLIAMS, A. M.; NEVILL, A.; FRANKS, A. A multidisciplinary approach to talent identification in soccer.  Journal of Sports Sciences, [S.l.]: Taylor & Francis, v. 18, p. 695-702, 2000.

SANTOS, J. A. R. Preparador Físico: Realidade, logro ou utopia? Revista Horizonte, Lisboa: [s.n.], v. IX, n. 51, p. 101-112, set./out. 1992.

SCHMID, S; ALEJO, B. Complete Conditiong for Soccer. Champaign: Human Kinetics, 2002. 184 p.

VIVIANI, F.; CASAGRANDE, G.; TONIUTTO, F. The morphotype in a group of peri-puberal soccer players. The Journal of Sports Medicine and Physical Fitness, [S.l., s.n.], v. 33, n. 2, p. 178-183, jun. 1993.

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Por Fabio Cunha*

* Técnico de Futebol; mestre em Ciências do Movimento (UnG); pós-graduado em Metodologia da Aprendizagem e Treinamento do Futebol (UGF); pós-graduado em Psicologia Esportiva (UCB); pós-graduado em Treinamento, Técnicas e Táticas Esportivas (Fac. Pitágoras) e Bacharel em Esporte com Habilitação em Treinamento em Futebol (USP). Autor dos livros: Torcidas no futebol: espetáculo ou vandalismo? e Técnico de futebol: a arte de comandar. Palestrante em cursos, seminários e congressos em todo o Brasil.

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