FUTEBOL PROFISSIONAL X FUTEBOL AMADOR

O futebol considerado profissional possui diversos níveis. Quando se fala de futebol profissional não se fala apenas daquele que passa na televisão ou daquele que os atletas são contratados com carteira de trabalho assinada para jogar. Considera-se aqui o esporte ou a atividade profissional, ou seja, o meio que diversos indivíduos atuam como profissão. Clubes profissionais, clubes amadores, escolas de futebol, clubes sociais e outros, são instituições incluídas aqui.

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O intuito desse texto é diferenciar o futebol conduzido e administrado de forma profissional para o futebol não-profissional independentemente do nível da organização e dos objetivos finais da instituição.

Problemas financeiros sempre são as desculpas de dirigentes para má administração e maus resultados. Como explicar então que clubes ou equipes sem grandes recursos financeiros atingem bons resultados? Vencendo inclusive equipes com melhor estrutura, recursos financeiros superiores e mais tradição.

O segredo está no planejamento, organização e, principalmente, na administração com conhecimento, capacitação e responsabilidade. O planejamento deve ser constantemente reavaliado e readaptado a nova realidade. Para Roche (2002) o planejamento é um processo que não pode ser separado da direção. Afirma ainda que todo diretor de futebol deve dedicar um tempo para fazer um planejamento a médio e longo prazo, pois o planejamento é um processo contínuo e permanente no tempo.

Uma boa administração começa com a determinação dos objetivos da equipe/clube, objetivos esses que devem ser analisados e estipulados com os “pés no chão” sem loucuras, delírios e vaidades pessoais. Para Muricy (OSTROVSKY; RAMALHO, 2007) os objetivos devem ser claros, não podem ser guiados pela emoção. Segundo Silva; Rebouças; Neves (2007); Roche (2002) o planejamento estratégico é fundamental na administração dos clubes de futebol.

Ainda segundo Roche (2002) os clubes profissionais devem aderir ao planejamento estratégico, principalmente pelas tendências e mudanças que estão ocorrendo no fenômeno esportivo. O planejamento estratégico está ligado ao “longo prazo”, aos “caminhos e orientações que uma entidade deve seguir no futuro”, aos “objetivos de uma organização”.

No início do planejamento a comissão técnica deve saber quais os objetivos da diretoria para assim traçar suas metas. “Estou convencido de que no futebol atual nada se consegue sem planejamento” (Muricy citado por OSTROVSKY; RAMALHO, 2007, p. 53).

Com a determinação dos objetivos, os dirigentes devem traçar estratégias de marketing para conseguir arrecadar os recursos financeiros para atingir esses objetivos, quer sejam para pagar salários, oferecer infra-estrutura, material e outros.

Problemas comuns na administração do futebol são os desperdícios, desvios e erros de estratégias e de administração. Muitos querem dar o “passo maior que a perna” e, conseqüentemente, acabam além de não atingindo o planejado, contraindo dívidas que afundarão cada vez mais os clubes, até porque essas instituições estão à mercê de maus e bons profissionais.

O continuísmo dos dirigentes é mais um entrave no futebol. Deve-se acabar com a prática dos dirigentes se perpetuarem no cargo. A presidência deve ser por tempo determinado (dois a três anos) e no máximo com uma reeleição, assim como na política nacional. Apenas em casos de clubes-empresas, que possuírem um dono, aí essas instituições terão seu próprio regimento, mas esse não é o caso da grande maioria dos clubes brasileiros.

Os dirigentes não percebem que é a falta de organização que afasta as empresas que gostariam de investir no futebol (BRUNORO; AFIF, 1997). Não é o futebol que não gera lucro. O futebol bem administrado pode trazer um grande retorno financeiro para empresas que investirem no esporte. Somente é necessário fazer um planejamento a curto, médio e longo prazo, com metas claras a serem atingidas por meio de um plano de marketing.

Uma administração competente e responsável pode conduzir um trabalho extremamente profissional com recursos financeiros plausíveis e sem excessos. De acordo com Silva; Rebouças; Neves (2007); Barros (1990) o futebol evoluiu, mas os nossos dirigentes não. Continuam comandando os clubes como feudos sem organização profissional. É necessária uma administração profissional com pessoas competentes e com verdadeiro conhecimento administrativo. Para Brunoro; Afif (1997) os clubes precisam colocar pessoas ou empresas especializadas para administrar o futebol. Segundo Carravetta (2006, p. 88) “a coordenação da gestão administrativa deve ser desempenhada por um profissional com experiência no futebol e com entendimento de Administração Esportiva”. Ainda segundo o autor, outro grave problema é a nomeação de amigos sem competência profissional para cargos diretivos dentro dos clubes. Assim, os conchavos e conivências ficam mantidos.

O profissional que gere um clube deve se atualizar, pois, assim como todas as áreas, a administração também evolui (BRUNORO; AFIF, 1997). Os dirigentes, de um modo geral, precisam buscar novos conhecimentos e se aprimorar. No futebol atual não existe mais espaço para a paixão clubística sem competência e capacidade. É estranho e revoltante ver dirigentes dizerem que amam seu clube, mas ao mesmo tempo contraírem dívidas monstruosas em nome do clube, é claro, sem responsabilidade nenhuma. Paixão essa no mínimo estranha?

“… No São Paulo, encontrei dirigentes que trabalham a favor da estrutura, e isso também dá tranqüilidade. Trabalho com dirigentes que entendem de futebol, sabem o que é planejamento…” afirma Muricy citado por Ostrovsky; Ramalho (2007, p. 22). Continua, “acredito também que essa estrutura aprimora o desempenho do técnico” (p. 23).

O gerente deve conhecer a modalidade esportiva, a realidade e as características culturais do clube, da cidade, da região, do estado e do país. Como características, deve ser flexível, educado, simples, objetivo, bom ouvinte, imparcial, líder, tomar decisões coerentes e não intempestivas, ter bom relacionamento humano e sentido de coesão (CARRAVETTA, 2006).

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Assim como temos técnicos, preparadores físicos, médicos e outros profissionais remunerados e contratados pelos clubes, deveríamos ter também, dirigentes profissionais que conduzissem o futebol independentemente das suas paixões clubísticas e, sim, pela sua competência profissional. Drubscky (2003) também concorda que uma equipe necessita de um corpo técnico permanente e de dirigentes profissionais. O diretor ou gerente de futebol deve ser um profissional remunerado e especializado no cargo. Silva; Rebouças; Neves (2007) concordam que o gestor esportivo deveria se qualificar como qualquer outro executivo de empresa.

“Em nome do alto valor econômico do negócio, o futebol ou qualquer outra modalidade esportiva devem ser administrados como empresas sérias, às claras, em que todos os envolvidos devem proceder como profissionais responsáveis, cada um dentro de sua especialização e função” (BORSARI, 2002, p. 53).

Para Unzelte (2002); Fleury (1998) os clubes europeus já perceberam há anos que o futebol é um negócio lucrativo e deve ser gerido com seriedade e organização. A maioria dos clubes se tornou empresa, inclusive colocando suas ações na bolsa de valores. Além disso, vendem diversos produtos, aumentando significativamente o seu investimento em marketing. Barros (1990) coloca ainda que o futebol é um comércio e os clubes deveriam investir mais na infraestrutura, melhorar os campos e construir centros de treinamento. Borsari (2002) afirma que atualmente todo esporte é um negócio.

Sendo um negócio que movimenta cerca de US$ 250 bilhões por ano inserido no mundo globalizado (CARRAVETTA, 2006), como deixar de ter uma administração profissional?

De acordo com Silva; Rebouças; Neves (2007) deve ocorrer uma mudança do sistema atual, arcaico e amador, para um sistema moderno, profissional e organizado.

“Somente com organização e profissionalismo um time terá progressos no futebol” (BRUNORO; AFIF, 1997, p. 48).

Portanto, a salvação dos clubes brasileiros passa, em primeiro lugar, pela administração profissional e com responsabilidade. Jogadores com qualidade não faltam no Brasil, mas a condução dos clubes deve garantir que esses atletas atinjam o seu potencial máximo e possam no futuro dar o retorno do investimento ao clube.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Por Fabio Cunha
* Técnico de Futebol; mestre em Ciências do Movimento (UnG); pós-graduado em Metodologia da Aprendizagem e Treinamento do Futebol (UGF); pós-graduado em Psicologia Esportiva (UCB); pós-graduado em Treinamento, Técnicas e Táticas Esportivas (Fac. Pitágoras) e Bacharel em Esporte com Habilitação em Treinamento em Futebol (USP). Autor dos livros: Torcidas no futebol: espetáculo ou vandalismo? e Técnico de futebol: a arte de comandar. Palestrante em cursos, seminários e congressos em todo o Brasil.

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