Nessa entrevista falamos com o renomado treinador Dorival Junior*. Falamos sobre a profissão de treinador de futebol, sobre capacitação e formação de novos profissionais, reconhecimento da profissão. Não perca!
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Qual a formação necessária para ser técnico de futebol? Existe algum curso específico?
Não existe curso de formação no país, inclusive é uma briga da Federação Brasileira de Treinadores de Futebol – FBTF, porque nós não compactuamos com esses cursos de curta duração que prometem a formação plena do profissional. De repente você sai de um curso rotulado como preparado para exercer a função e não é bem assim.
Nós estamos lutando e batalhando pelo reconhecimento da profissão, que ainda não temos. Paralelo a isso, estamos propondo à CBF a formatação de cursos para a formação de profissionais que se estenda por muito mais horas de estudo e trabalhos que normalmente temos visto em alguns cursos. A CBF tem os seus cursos, que trazem um bom conteúdo, mas ainda com pouco tempo de explanação.
Para que você tenha uma garantia e uma certeza temos que aguardar um pouco para que exista uma definição completa em todos os aspectos e que, aí sim, tenhamos um curso que capacite um profissional a estar à disposição do mercado e, não só isso, que proporcionem também dentro desses cursos uma experiência prática onde o profissional possa evoluir juntamente com o mercado.
Como a formação dos técnicos de futebol no Brasil está em relação à formação no exterior?
Na verdade, nós não temos nada como formação. Nossa formação é o dia a dia, o crescimento de cada profissional, a sensibilidade de poder administrar trabalhos, leitura de vestiário, a percepção do que esteja acontecendo a sua volta, a preparação que nós fazemos de uma forma particular. Esse crescimento se dá pelo interesse de cada um em buscar novas coisas, vivenciando novas situações, tentando interpretar essas situações, tentando definir um caminho, dando um rumo você mesmo a sua profissão, essa é a grande verdade.
Na Europa, ao contrário, já há algum tempo eles vêm se preparando para a formação de profissionais, coisa que não temos aqui de modo geral. Um treinador para se consolidar na Europa precisa de 2.000 horas de estudo divididas em 4 módulos, 500 horas cada um desses módulos. A medida que você vai cumprindo cada etapa, você deve buscar estágios que lhe proporcionem a possibilidade de fazer o módulo seguinte, até que você chegue ao quarto módulo em condição de ser treinador de uma grande equipe chancelado pela UEFA (União Europeia de Futebol). Todo treinador para poder trabalhar na Europa precisa dessa chancela da UEFA. Por isso, os treinadores brasileiros, por não ter essa formação regulamentada, não podem trabalhar em clubes europeus.
Por exemplo, um treinador indiano formado pode trabalhar em qualquer clube da Europa, pois a Índia tem cursos que profissionalizam e proporcionam aos seus profissionais essa possibilidade de trabalhar na Europa.
Você acredita que a experiência como jogador é fundamental para ser treinador?
Eu acredito que a experiência como atleta e, muito mais do que isso, a vivência de um vestiário é fundamental para que você se consolide como profissional, mas isso não quer dizer que outros profissionais não possam chegar lá e, até, ultrapassar aqueles que foram ex-jogadores. Uma coisa não está vinculada à outra e elas se distanciam em algum momento, porque existem grandes profissionais que não foram atletas de futebol, com altíssimo nível de conhecimento, muito capacitados e que fizeram suas histórias e elas têm que ser respeitadas.
É natural que um profissional que tenha participado de um vestiário, sempre cito isso, porque a vivência de um vestiário, o dia a dia do vestiário, é fundamental para que um treinador se complemente. O vestiário te passa muitas informações, te passa o dia a dia daquilo que acontece num clube de futebol e, você tem que ter a sensibilidade para fazer essa leitura o mais rápido possível.
Como o mercado do futebol vê os profissionais que querem ingressar nessa área, mas que não foram atletas profissionais?
Eu vejo com naturalidade. De uma forma geral, existe espaço para todos os profissionais, desde que estejam preparados para a função. É uma função difícil, muito complicada, o nível de exigência é altíssimo, necessita de um preparo mínimo, que é isso que nós estamos tentando mostrar.
Porém, volto a dizer, independe do profissional ter sido ou não atleta. Ele pode sim vir a ser um grande treinador ou um grande diretor de futebol, um grande executivo de futebol, mesmo não tendo sido atleta profissional. Mas terá uma dificuldade um pouco maior e uma exigência até pelos questionamentos naturais que acontecerão no início de sua carreira.
Vejo muitos profissionais caminhando, outros que já deixaram sua história, fizeram coisas muito positivas ao longo do tempo e, que não foram atletas, mas tinham uma sensibilidade aguçada quando entravam dentro de um vestiário. A necessidade de entender o vestiário é fundamental.
Como está a regulamentação da profissão, as leis protegem ou prejudicam os treinadores?
Não temos ainda a regulamentação da profissão. Estamos trabalhando, e muito, em Brasília, por meio da FBTF com uma mobilização muito grande, a partir de então com o projeto de lei 7560/2014, que é um projeto que primeiro reconhece a profissão e segundo fundamenta a consolidação de um profissional, exigência de uma formação, enfim vários fatores que estão sendo solicitados. Esse projeto já passou por duas comissões onde foi aprovado, agora precisa da aprovação de uma terceira e, a partir daí irá ao Senado. Estamos tentando acelerar esse processo.
Para se ter uma ideia, hoje qualquer pessoa pode ser treinador de futebol do dia para a noite sem que necessite de uma formação. O dono de um clube pode chamar qualquer amigo, qualquer pessoa que esteja a sua volta, sem capacitação nenhuma e colocá-la como treinador da sua equipe. Para mostrar como estamos carentes em todos os aspectos.
Lutamos por isso, porque a grande maioria dos treinadores de futebol no interior do país não tem o mínimo necessário, ou seja, uma carteira de trabalho assinada, um contrato de trabalho que lhes assegure uma condição. Uma minoria que tem possibilidade de trabalhar em equipes das séries A. B, C, talvez até D do futebol brasileiro já se apresentam com uma outra condição, porém é lamentável colocar isso, mas nós estamos deixando profissionais a mercê da sorte e da palavra de gestores que não sustentam aquilo que foi tratado, aquilo que foi preparado, após duas ou três derrotas. Então esse profissional não tendo nem a garantia de uma carteira de trabalho assinada pelo seu clube, é natural que ele tenha dificuldades ainda maiores para um acerto da sua situação.
Muito se critica os treinadores brasileiros no aspecto tático, como você vê o nosso trabalho nesse quesito em relação ao futebol europeu?
É verdade, existe a cultura da crítica no Brasil. É muito mais fácil você fazer uma análise combatendo do que explicando. A grande maioria, na minha concepção, olha ou vê o futebol, mas não consegue enxergar, a visão é muito curta, então é natural que se tente justificar aquilo que não se sabe buscando a crítica. Coloca-se todos e todo o trabalho desenvolvido dentro de um mesmo cesto, e não é assim.
Eu acho que nós temos grandes profissionais no Brasil, temos profissionais que mesmo não tendo capacitação necessária para uma formação conseguem e se superam, pois buscam conhecimento e informações, tem capacidade natural de assimilar muitos fatos, muitas coisas, muitos detalhes e isso tudo faz com que se formate um modelo de profissional.
Vejo grandes trabalhos táticos no Brasil que não são observados pela grande maioria da mídia, de um modo geral. Até porque a cultura da crítica é muito mais producente do que qualquer outro sentido.
Vejo o futebol brasileiro ainda ser muito respeitado pelo resto do mundo e também vejo trabalhos bem interessantes no Brasil com a busca de conhecimento e quebra de paradigmas.
Qual a sua visão sobre o futuro da profissão no Brasil?
É uma profissão que está crescendo, existe um interesse de todos em buscar um novo caminho. Primeiro a aceitação e o reconhecimento, segundo um curso que tenha uma formação acima de tudo, mas que possa ser massificado para que um maior número de pessoas possa se interessar e tenha condições de buscar essa formação. Formação onde possa ter trabalhos práticos para que o profissional chegue no mercado de trabalho muito mais preparador e não só fundamentado com uma boa didática, assim terá uma condição diferenciada.
Isso espero que aconteça nos próximos dez anos, que tenhamos um salto de qualidade e que consigamos promover mais profissionais para nosso campo de trabalho.
Será fundamental que isso aconteça com todos os clubes, mas que acima de tudo, a CBF e as federações participem diretamente nesse novo modelo, nesse novo momento e ajudem na formação de profissionais que venham muito mais capacitados em condições de poderem dar sequência às necessidades do futebol.
Quais dicas você daria para quem quer ingressar nessa área? Existe um caminho a seguir?
Ainda não temos um caminho, porque não temos um curso reconhecido, consolidado. Eu acho que nesse momento você deve procurar o máximo possível de conhecimento, caso tenha oportunidade dentro de um clube, talvez nas categorias de base, estamos, inclusive, procurando um novo modelo para a base, porque o modelo apresentado nos últimos anos está totalmente defasado.
O caminho seria esse, de observação da prática, da busca por cursos que ainda não são reconhecidos, mas que lhe acrescentem algo a mais, tudo que possa mexer um pouco com o trabalho em equipe, que possa nos mostrar um caminho de motivação, de trabalho em grupo, de tentar entender o ser humano. Isso seria fundamental. Tem vários cursos que podem começar a te dar esse conhecimento, é uma fonte de conhecimento importante, você vai filtrar, tirar o máximo possível, aquilo que for do seu interesse e, a partir daí você deve começar a buscar uma formatação para o lado profissional. É um trabalho individual. Como não temos uma formação definida, temos que buscar opções e, as opções são essas apresentadas pelo mercado.
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*Dorival Junior é treinador de futebol da equipe profissional do Santos F. C. Formado em Educação Física; Foi treinador nas equipes profissionais do Palmeiras, Fluminense, Vasco da Gama, Flamengo, Internacional, Atlético Mineiro, Coritiba, Cruzeiro, São Caetano, Avaí, Sport, Juventude, Criciúma, Fortaleza, Figueirense, Ferroviária-SP; Foi atleta profissional, atuou nas equipes da Ferroviária-SP, Marília-SP, Guarani-SP, Avaí, Joinville-SC, São José-SP, Coritiba, Palmeiras, Grêmio, Juventude.
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