ENTREVISTA BEBETO STIVAL – PROFISSÃO TREINADOR DE FUTEBOL

Na entrevista de hoje conversamos com o professor e treinador de futebol Bebeto Stival*.

entrevista 7 - bebeto

Bebeto Stival

Qual a formação necessária para ser técnico de futebol? Existe algum curso específico?

Primeiro ponto é gostar de trabalhar com futebol, ter conduta de educador e formador. Passar por um processo acadêmico, concluindo um curso superior ligado à área esportiva ou cursos de especialização. Estudar é fundamental para conduzir um profissional do futebol a seguir a carreira de técnico. Iniciar o seu caminho como técnico, conhecendo primeiro a base, onde está o principio de tudo. Entender o que é formar, educar e ter entendimento de onde tudo se inicia. Não consigo ver um técnico bem formado se não passar por algumas etapas básicas para a sua formação. 

Como a formação dos técnicos de futebol no Brasil está em relação à formação no exterior?

Falta ao técnico brasileiro é mais conteúdo, investimentos por parte dos condutores do futebol, aliados ao Ministério da Educação, na criação de cursos de formação específica para técnicos de diferentes áreas do esporte. Não vejo a necessidade somente no futebol, mas também em outras áreas onde há a presença de um técnico e que exige conhecimento e visão para desenvolver um trabalho de qualidade. Os caminhos e os recursos para qualificação dos técnicos europeus já vem de uma estruturação de anos de construção e aperfeiçoamento. O técnico brasileiro não deve nada a ninguém, o que falta na verdade é mais conteúdo para que ele se torne um especialista mais qualificado. Não precisamos de quantidade e sim de cursos qualificados, que realmente levem aos profissionais conhecimentos profundos da área e função que irá desenvolver.

No futebol se valoriza muito os ex-atletas para assumirem cargos de direção técnica, mesmo sem formação alguma, realmente a experiência como jogador é fundamental para a função de técnico?

Não sou contra a inclusão dos ex-atletas assumirem cargos como técnicos, desde que passem por cursos de especialização e, se possível, de graduação, para conduzir com qualidade o desenvolvimento de um trabalho técnico dentro de um clube. Isso facilitaria inclusive a sua comunicação com outros departamentos importantes, como médicos, fisiologistas, fisioterapeutas e preparadores físicos. Saber entender o que realmente está acontecendo a sua volta, para poder definir planejamentos e estratégias de trabalhos aliadas aos departamentos. Outra coisa fundamental nessa formação do técnico é saber se comunicar com seu grupo de trabalho, levando-o a entender as informações e mensagens vindas de outros departamentos. Jamais ser o centro das atenções e sim aquele que irá acessar todas as informações e colocá-las em prática no seu dia a dia de trabalho.

Como o mercado do futebol vê os profissionais que querem ingressar nessa área, mas que não atuaram como atletas profissionais?

Algo já está mudando, vejo uma transformação na maneira de pensar da nova geração de gestores e técnicos, que vem buscando conhecimento por meio de cursos de especialização e reciclagem. É notório a busca por mais informações, pois os caminhos da profissão de técnicos de futebol estão ficando mais curtos e competitivos. Essa é a razão e a necessidade da criação de novos cursos de especialização, dentro mesmo das universidades ou instituições credenciadas, para levar os profissionais interessados a ingressarem nesse mercado com mais conteúdo e conhecimento. O mercado está ficando mais exigente na formação dos novos técnicos e isso é fundamental para o crescimento técnico do futebol brasileiro.

Hoje se valoriza muito a profissão de técnico de futebol, você acredita que os profissionais estão realmente preparados para essa valorização?

Vejo aí uma grande falha na maneira de conduzir todo esse processo, diante da profissão de técnico de futebol. Essa demasiada valorização está equivocada, pois não é somente ele o responsável pela condução e desenvolvimento de um trabalho dentro de um clube. Por isso que volto a afirmar que muitos não tem uma preparação satisfatória e precisam buscar conhecimento técnico e até psicológico, para muitas vezes se equiparem aos demais membros de uma comissão técnica. O técnico é apenas o definidor de um processo que é desenvolvido por um grupo de trabalho. Muitas vezes o seu poderio em excesso leva a destruir todo um ambiente de trabalho, toda uma estrutura já construída. A valorização está dentro de cada técnico, na busca do melhor conhecimento, pois somente assim ele será visto como diferente e um desenvolvedor de coisas novas.

Quais seriam os profissionais que deveriam integrar a comissão técnica de uma equipe de alto rendimento, na base e no profissional?

Vejo hoje a base o alicerce principal na formação e estruturação de um grande clube. Afirmo e jamais vou mudar a minha maneira de pensar com relação a isso. Na minha opinião, os melhores técnicos deveriam compor os departamentos de base, principalmente nas categorias menores, onde inicia-se o processo de formação. É ali que se concentra o trabalho mais importante, pois as faixas etárias menores (Sub-11, Sub-13), onde os seus atletas estão com sua caixa de mensagem aberta e preparada para receber todo tipo de informação. Esse é o período do desenvolvimento neuro-motor, psicológico, técnico, onde será aplicado todos os recursos e fundamentos para o desenvolvimento de um atleta de ponta. É nesse período que você define e desenvolve as tomadas de decisões, onde surge o atleta pensante.  Defino também como obrigatório a presença de um fisiologista, que será o comandante da área de preparação física, responsável pela distribuição de carga de trabalho para cada faixa etária. A atuação de um psicólogo, para dar equilíbrio a todo grupo de trabalho, aliviando a pressão e dando alívio para o desenvolvimento em todas as atividades. Um médico, especialista em medicina do esporte, que tenha conhecimento profundo das reações físicas durante as fases do desenvolvimento de um atleta jovem.  Nas equipes profissionais, vejo o trabalho chegando pronto, onde haverá a necessidade de profissionais competentes para dar continuidade a todo o processo. Reuniões constantes entre os dois departamentos são de extrema importância para apurar conhecimentos do produto que vem chegando para a última etapa.

Como é a remuneração dos profissionais, existe algum padrão, piso ou teto salarial?

Vejo hoje uma total falta de equiparação de piso salarial. Prefiro não especificar valores, mas enfatizo onde se deveria valorizar mais, que são os profissionais dos departamentos de base, que é o setor onde os clubes menos investem. Técnicos das equipes profissionais ganhando absurdos e aqueles que são os responsáveis pela formação e alicerçamento de um clube, ganhando salários baixíssimos e ainda sendo submetidos a cobranças por resultados, outro erro crasso dentro do nosso futebol. Gostaria muito que gestores e diretores de clubes tivessem consciência de atos absurdos cometidos com os profissionais de suas bases, e que voltassem a pensar em uma reestruturação de valores reais para esses profissionais, dando a eles mais ânimo na condução de suas atribuições diárias.

Em sua opinião, existe um perfil de liderança ideal para o técnico de futebol?

Avalio esse lado como de suma importância na condução de um grupo de trabalho. O técnico tem que ser comunicativo, saber entender a cabeça de cada um de seus atletas, conversando individualmente com todos em momentos separados, buscando saber um pouco de suas vidas e de seus problemas pessoais. Isso faz o atleta a adquirir mais confiança e liberdade para chegar até o técnico e levar os seus problemas. O atleta que vem com problemas para dentro de campo, estará trazendo consigo um entrave que o impedirá de ter um aproveitamento satisfatório. O técnico tem que mostrar que tem conhecimento daquilo que faz, pois isso dará segurança ao seguimento de seus treinamentos. Sendo o técnico inseguro, certamente o resultado será catastrófico, onde o seus comandados passarão a não respeitá-lo. Saber elaborar de maneira correta com seus auxiliares o planejamento de uma temporada de atividades. Dar aos seus comandados o direito de expressar e colocar suas opiniões, afinal, ali está um grupo de trabalho e conhecedores daquilo que faz. O técnico de hoje tem que se modernizar e saber entender e ter uma leitura de tudo que está ao seu redor, e que tudo aquilo é uma somatória que o levará a colher bons resultados.

Qual a sua visão sobre o futuro do futebol no Brasil?

Estamos caminhando por um túnel escuro com uma lanterna sem baterias e não vejo no seu final uma luz que possa nos guiar por um caminho melhor. A estrutura administrativa do futebol brasileira está totalmente corrompida. Precisamos urgentemente fazer uma limpeza, tirando todos esses gestores políticos e colocando os gestores esportivos, aqueles que entendem quais são os movimentos corretos de uma bola de futebol. Quando que o futebol brasileiro vai mudar, se os homens que o dirigem estão fugindo para não serem presos? Quando que o futebol vai mudar, se o coordenador de seleções, há pouco tempo atrás era ou ainda é, proprietário de empresa de agenciamento de atletas de futebol? O grande pecado do futebol brasileiro foi a aprovação da Lei Pelé. Avalio o desaparecimento de vários clubes, antes formadores, pela ação dessa lei. Essa simplesmente tirou das mãos dos clubes o seu produto e repassou para os agenciadores ou intermediários. A partir daí iniciou-se a derrocada do nosso futebol em todos os aspectos. Deixando o aspecto administrativo e entrando na área técnica, afirmo que continuamos a jogar o mesmo futebol, precisando apenas mudar alguns conceitos de treinamentos. Precisamos urgentemente entregar aos nossos atletas, principalmente da base, uma bola para cada um, para que eles possam conhecê-la na sua intimidade. Há tempos atrás, os europeus adotaram a força para segurar a nossa maneira de jogar, com o tempo eles aprenderam e copiaram, muitas vezes levando para lá os nossos melhores atletas. O que nós deveríamos ter feito era ter dado sequência naquilo que sempre fizemos. Sabe o que aconteceu? Resolvemos copiar o antiquado recurso europeu e resolvemos implantá-lo no nosso futebol. Passamos a ignorar aquilo que tínhamos de sobra que era a técnica, para aplicar a força, e tirar do nosso atleta a velocidade de movimentos, impedindo-o de driblar, de criar e fazer o espetáculo. 

Quais dicas você daria para quem quer ingressar nessa área? Existe um caminho a seguir?

As dicas são muito simples. Primeiro de tudo saber se realmente é isso que você pretende seguir como profissão. Depois de tudo definido, começar a fazer a sua preparação para ingressar no mercado e que seja de uma maneira convincente, não sendo apenas mais um para preencher as fileiras daqueles que procuram emprego por aí. Que esse profissional seja realmente de um perfil técnico diferente e que mostre resultados satisfatórios por onde passar. Saber conduzir sua profissão de forma organizada, sem polêmicas e sempre com momentos marcantes. Sei que talvez isso seja impossível dentro do futebol, mas vale a pena fazer um esforço. Somente assim você encontrará uma resposta sadia e satisfatória para a solução de seus problemas dentro desse meio tão competitivo e às vezes injusto com muitos profissionais.

* BEBETO STIVAL – Coordenador de cursos do Sindicato dos Treinadores de Futebol de São Paulo (SITREFESP); Coordenador Técnico da Football Experience – Treinamentos de alto de rendimento; Supervisor Técnico  das Categorias de Base do Santos F. C., de 2009 a 2012; Técnico Campeão Brasileiro Universitário pela UNIP em 2001; Técnico da Seleção Brasileira Universitária – Universíades de 2001 em Pequim (China); Diretor da Bebeto Pro Soccer Academy (Chicago, EUA); Coordenador técnico da Lake Forest Soccer Association (Chicago, EUA); Preparador Físico e técnico do Nacional A. C.; Preparador Físico da base da A. Portuguesa de Desportos.