Conheça um pouco mais sobre o Beach Soccer nessa entrevista com o treinador Fernando Motta*.
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Qual a formação necessária para ser técnico de beach soccer? Existe algum curso específico?
Como qualquer atuação profissional ligada ao esporte, o Beach Soccer também está sob a supervisão do CREF. Quanto à formação profissional e cursos, infelizmente a Confederação de Beach Soccer do Brasil, entidade máxima da modalidade no Brasil, e federações não possuem uma programação, mas acredito que tais entidades, em especial, a CBSB, estão atentas à importância de formar e qualificar os profissionais que atuam com o Beach Soccer.
Como a modalidade ocorre num piso totalmente diferente do futebol, onde é difícil que a bola role e a troca de passes pelo chão ocorra, existe alguma particularidade especial para o treinamento do beach soccer?
Certamente. O Beach Soccer foi criado, literalmente, como um produto. Dentro desta perspectiva, pensaram em tudo para que a modalidade fosse atrativa. O piso irregular faz com que o jogo aéreo seja muito mais objetivo e efetivo. Desta forma, os treinamentos, desde a categoria de base, têm que envolver o jogo aéreo: iniciando pela “cavada” que é tirar a bola do chão, passando pelo toque pelo alto, controle de bola, até a finalização. A evolução do Beach Soccer ao longo dos anos está exatamente no maior volume de ações aéreas e, principalmente, na velocidade como elas são executadas.
No futebol de campo se valoriza muito os ex-atletas para assumirem cargos de direção técnica, mesmo sem formação alguma. No beach soccer acontece o mesmo? Realmente a experiência como jogador é fundamental para a função de técnico?
Esta situação não é particular do Beach Soccer ou futebol de campo, quando analisamos os técnicos das mais diversas modalidades, um grande percentual, superior a 80%, é formado por ex-atletas. Vejo de maneira muito natural, pois a visibilidade de um ex-atleta facilita a entrada nos clubes. Agora, a discussão sobre ex-atletas sem formação acadêmica é um debate antigo e qualquer opinião irá de encontro a determinada categoria. Entretanto, não me absterei de responder: sim, é inegável a importância da “experiência do vestiário”, mas apenas isso não é suficiente. Da mesma forma que um profissional de Educação Física não necessariamente está preparado para atuar a frente de uma equipe. Sou favorável ao amplo diálogo para definir um caminho alternativo. Pois, mais importante do que a obrigatoriedade ou não, da formação acadêmica, é a contínua capacitação, de modo que apenas profissionais qualificados estejam certificados para atuar.
Como o mercado do beach soccer vê os profissionais que querem ingressar nessa área, mas que não atuaram como atletas profissionais?
No Beach Soccer, quando falamos de categoria adulta, quase 100% dos técnicos são ex-atletas, mas quando o assunto é categoria de base e feminino, vários times são treinados por educadores físicos. Como os resultados destes profissionais têm sido altamente positivos, torna-se um processo natural. Um exemplo notório é o Espírito Santo, reconhecido celeiro de bons atletas, muito em função do ótimo trabalho realizado pelas escolinhas.
Hoje se valoriza muito a profissão de técnico nos esportes coletivos, você acredita que os profissionais estão realmente preparados para essa valorização?
Na verdade, não considero que haja uma valorização dos técnicos. Existe uma disparidade enorme da grande massa de profissionais com alguns poucos que realmente são muito bem remunerados, mas ainda assim não considero que são valorizados, pois a instabilidade do cargo, a falta de transparência das relações com dirigentes, pouca representatividade das associações e/ou sindicatos e a relação, muitas vezes, nada amistosa com a imprensa são sinais que ainda há o que evoluir para que, de fato, possa considerar a profissão como valorizada. Trazendo para a realidade do Beach Soccer, nem mesmo os profissionais mais renomados são bem remunerados.
Quais seriam os profissionais que deveriam integrar a comissão técnica de uma equipe de alto rendimento?
Técnico, Auxiliar Técnico, Treinador de Goleiros, Preparador Físico, Analista de Desempenho, Coach de Alta Performance, Film-Maker e Nutricionista são profissionais imprescindíveis para todas as equipes de alto rendimento. Entretanto, infelizmente esta não é a realidade do Beach Soccer, nem mesmo das equipes mais estruturadas.
Como é a remuneração dos profissionais, existe algum padrão, piso ou teto salarial?
A remuneração é muito baixa. Porém, pior do que o baixo salário é a instabilidade. E quando digo instabilidade não é apenas por bons resultados, mas pela falta de um calendário regular. Desta forma, os profissionais não sabem quando terão trabalho, visto que os vínculos são pontuais, por competição.
Em sua opinião, existe um perfil de liderança ideal para o técnico de beach soccer?
O perfil comportamental de um líder esportivo não varia muito por esporte: é preciso que seja analítico e influenciador. Alguns pontos precisam ser agregados ao perfil: boa comunicação, transparência nas relações e empatia. Especificamente sobre os técnicos de Beach Soccer é necessário que tenha facilidade de leitura de cenário e rápida tomada de decisão visto que é um esporte muito dinâmico.
Qual a sua visão sobre o futuro do beach soccer no Brasil?
Pode parecer divergente: vejo com ressalva, mas como sou um otimista inveterado, acredito que dias melhores virão. A atual gestão da Confederação de Beach Soccer do Brasil está se movimentando para promover algumas ações.
Entretanto, a minha visão do esporte é muito diferente do que normalmente acompanhamos na prática. Explicando: a) para que se fortaleça como esporte, o Beach Soccer tem que deixar de ser praticado no modelo de evento, ou seja, uma ação isolada, normalmente em arenas montadas no verão; b) a pirâmide precisa ser invertida: é preciso estimular a participação de crianças e adolescentes por meio de jogos escolares e comunitários, até chegar às competições municipais e estaduais. Desta forma, promove a massificação do esporte nas categorias Sub-11, Sub-13, Sub-15 e Sub-17 (masculino e feminino). Com essas categorias estruturadas e bem formatadas, ocorrerá o movimento natural das demais categorias: Sub-9, Sub-20 e Sub-23. Aí sim, os eventos que hoje são realizados: Desafios e Campeonatos de Verão, entram como potencializadores, pois geram mais visibilidade, inclusive da mídia. Desta forma, cria-se um fascínio nos atletas da categoria de base, visto que eles avaliam que um dia terão a oportunidade de serem protagonistas daquele tipo de evento.
Quais dicas você daria para quem quer ingressar nessa área? Existe um caminho a seguir?
Caso pretenda atuar com escolinha, não subestime as variáveis: clima, local e férias escolares. Explicando: a) clima: o Brasil é um país tropical, portanto com alto índice de chuva entre os meses de novembro a março. É comum a participação dos alunos cair muito em dias de chuva. Além disso, apesar de boa parte do Brasil o inverno não ser rigoroso, basta a temperatura cair um pouco mais para os alunos faltarem as aulas; b) local: se a sua opção for por utilizar a praia, saiba que é área da União e gerenciada pelo SPU (Superintendência de Patrimônio da União), portanto não é permitido cobrar mensalidade. Entretanto, hoje, algumas prefeituras negociaram com a União o gerenciamento do uso da praia. Portanto, é preciso certificar com o órgão responsável, normalmente a Secretaria de Esportes, o uso da área, com fins lucrativos. Vale a pena, negociar contrapartida social, talvez parte dos atletas estarem matriculados na rede municipal de educação; c) Férias escolares: dependendo da característica do seu público, muitos alunos viajam nesta época do ano, portanto não pagam a mensalidade.
No mais, busque parcerias com escolas, centros comunitários, faça parceria com empresas próximas, aproxime dos pais, estimule a família participar, promova eventos internos, compreenda que o time adversário é um aliado e nunca um concorrente, pois quanto mais pessoas praticarem o esporte, mais peso a modalidade terá junto às prefeituras e federações esportivas.
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*Fernando Brunoro Motta é treinador de Beach Soccer. Fundador e técnico da Geração Sports, maior escola de esporte de praia do Brasil; Campeão Brasileiro de Beach Soccer; Coordenador da Federação de Beach Soccer do Espírito Santo; Graduado em Educação Física; Bacharel em Administração.
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