ENTREVISTA MARCELLO BRAZÃO – TREINADOR DE FUTEBOL

Entrevistamos o treinador Marcello Brazão* para nos mostrar mais sobre a profissão de treinador de futebol.

Qual a formação necessária para ser técnico de futebol? Existe algum curso específico?

Hoje em dia existem os cursos da CBF, que qualificam os treinadores de acordo com suas categorias, onde nossa entidade máxima pretende obrigar todos os treinadores terem a certificação até 2022, para poder exercer sua função.

Como a formação dos técnicos de futebol no Brasil está em relação à formação no exterior?

Está muito abaixo do grau de exigência em relação a Europa. Só para se ter uma ideia, um treinador na Europa, para se atingir seu grau máximo leva no mínimo dois anos e meio de estudo. Os cursos da CBF vieram por meio de um caderno de encargos que a FIFA exige em todos os países que sediam a Copa do Mundo, para deixar como um dos legados. Isso contribuiu, para diminuir a lacuna, que existe entre o treinador brasileiro e o europeu.

No futebol se valoriza muito os ex-atletas para assumirem cargos de direção técnica, mesmo sem formação alguma, realmente a experiência como jogador é fundamental para a função de técnico?

Em relação ao ex-atleta em cargos de direção técnica, em sua grande maioria o dirigente coloca o ídolo para “amenizar” a pressão que sofre diante dos torcedores e a imprensa. A presença do ídolo diminui essa pressão no primeiro momento e tira o foco do dirigente. Na situação do ex-jogador ser fundamental para ser treinador não vejo como imprescindível, acredito que pode ser o casamento “perfeito” entre o ex-atleta e o acadêmico. Pois, a vivência do ex-atleta dentro de campo, experiência com vários treinadores, a linguagem do boleiro, e o vestiário não deve ser desprezada, e o estudo da ciência por parte do acadêmico também tem grande contribuição, onde somados os esforços daria um trabalho muito relevante. O problema está no ego de ambas as partes que impedem que isso aconteça. Mas torço que à médio prazo isso possa se tornar realidade.

Como o mercado do futebol vê os profissionais que querem ingressar nessa área, mas que não atuaram como atletas profissionais?

Ainda vejo barreiras nesse contexto. Por incrível que possa parecer, no Brasil parece que quanto mais você se qualifica, mais portas se fecham. Parece que quando se é muito qualificado o profissional é visto em boa parte como ameaça. Fora que acontece um processo de “Q.I.” (Quem Indica), o amigo do amigo, mas sempre falo, que se você tem um sonho, vá atrás dele! Não aceite o “NÃO” como resposta.

Hoje se valoriza muito a profissão de técnico de futebol, você acredita que os profissionais estão realmente preparados para essa valorização?

Sempre cito Vanderlei Luxemburgo para essa valorização. Ele na minha concepção foi nosso divisor de águas para a valorização da função treinador (apesar de muitos acharam ele hoje em dia obsoleto) quando foi para a beira do gramado de terno e gravata, e antes dele via-se apenas treinadores com raras exceções, trocando lateral por lateral, atacante por atacante…e ele falando de tática, estudar o adversário, até os suplentes adversários numa possível mudança de ambiente de jogo numa substituição. Quanto se coloca o assunto, se determinados profissionais estão preparados, acredito, não por completo. Gestão de pessoas, abordagem, postura, pulso firme em suas tomadas de decisões, te darão norte ao fracasso ou sucesso. O atleta profissional não gosta de bajulação, gosta de olho no olho, sério, e direto.

Quais seriam os profissionais que deveriam integrar a comissão técnica de uma equipe de alto rendimento, na base e no profissional?

A comissão técnica tradicional é composta pelo técnico, preparador físico e o treinador de goleiros. Já no profissional podemos ver ainda a figura do analista de desempenho, auxiliar técnico, auxiliar de preparação física, analista de desempenho, entre outros (quando a equipe tem recursos para tal, caso contrário, limita-se aos mesmos profissionais citados na base). Sou a favor do fisioterapeuta ficar no lugar do massagista.

Como é a remuneração dos profissionais, existe algum padrão, piso ou teto salarial?

Deveria ter! Não existe nada. A CBF como entidade máxima, e agora exigindo seus cursos que não são nada baratos deveria estipular um mínimo de valor a ser pago de acordo com a categoria, pelo menos o teto mínimo. Hoje, lamentavelmente, vejo um grau de exigência grande pedida por qualificação dos profissionais, mas um desrespeito enorme quanto à remuneração. Alguns clubes pagam o mínimo, e só não pagam menos porque não é possível. Mas boa parte temos culpa nisso, pois muitos se sujeitam a ganhar pouco, e isso atrapalha para uma evolução salarial.

Em sua opinião, existe um perfil de liderança ideal para o técnico de futebol?

Não existe receita de bolo. Nós devemos ser iguais ao camaleão, se adaptar de acordo com a situação. O maior segredo de você sobreviver neste meio é você ter gestão de pessoas e empatia. Eu sempre comento que isso é mais importante do que um grande treino que você possa realizar na semana. Entender sua dificuldade, se colocar no lugar dele.

Qual a sua visão sobre o futuro do futebol no Brasil?

Confesso que ando já a algum tempo muito preocupado com a base. Pode parecer polêmico o que vou dizer, mas não estamos formando nada. Muito treinador de base, preocupado apenas em ser campeão e postar nas mídias sociais para apenas se auto promover. Falando muito de tática, ataques verticais etc., mas pouco preocupado se o atleta está acertando passes de 5, 10 metros, sequência de três passes certos ou acertando o gol. Os poucos jogadores considerados para o mercado de hoje acima da média aparecem não porque são lapidados, mas sim porque estourariam na mão de qualquer um, porque são acima da média. Nós devemos olhar com mais carinho para a base. Quanto tempo não vemos mais cobradores de falta? E gol de falta na seleção? Há anos! Jogadores que chegam promovidos ao profissional que não chutam com as duas pernas, que tem dificuldade de jogar em outra posição. Cadê nossos meias? Até 2006 na seleção principal tínhamos de 4 a 5 jogadores que num jogo difícil chamavam a responsabilidade e numa bola decidam… Vou dar exemplos: Rivaldo, Ronaldo, Ronaldinho Gaúcho, Adriano, Roberto Carlos… A base é o futuro e ela deve ser bem mais tratada, não só com boa remuneração, como boa alimentação, instalações, condições… Recentemente vi o coordenador geral da Alemanha Oliver Bierhoff dizer: “se quisermos voltar ao topo novamente devemos trabalhar mais a base! A Base é o alicerce de tudo, assim como para construir um prédio!”

Quais dicas você daria para quem quer ingressar nessa área? Existe um caminho a seguir?

Procurar se qualificar, por meio dos cursos da CBF, especializações na área, cursos extras e amar o que faz!

*Marcelo Brazão é treinador de futebol. Licença B da CBF. Graduado em Educação Física; Graduado em Marketing; Graduado em Gestão Aplicada no Esporte; Pós-graduado em Futebol e Futsal pela Estácio; Pós-graduado em futebol pela Universidade Federal de Viçosa; MBA em Gestão de Pessoas. Trabalhou em 12 países entre categorias de base e profissional.